Simbolismo
O Simbolismo surgiu na França de Napoleão III para, então, adquirir caráter universal, desde o seu precursor Charles Baudelaire a Arthur Rimbaud, atingindo países como os Estados Unidos (que já tinham, na figura de Edgar Allan Poe, um iniciador), Portugal e, finalmente, o Brasil. O surgimento dessa escola literária nas letras brasileiras foi percebido por Machado de Assis em 1879, num ensaio chamado “A Nova Geração”.
Dando os primeiros passos como um contra-movimento das escolas oficiais, como o Naturalismo e Parnasianismo, o Simbolismo, em uma época em que o determinismo científico (conhecido também como pseudociência) regia a opinião artística e pública, pregava a subjetividade das ideias e dos sentimentos, a musicalidade implícita do verso, o dever do poeta de espiritualizar-se diante de si mesmo, para chegar, por conseguinte, à compreensão do cosmos.
Essa postura aparentemente evasiva levou os críticos do movimento a tacharem o Simbolismo como uma escola alheia às evoluções da sociedade e, portanto, indiferente à evolução da cultura local; no caso do Brasil, por exemplo, em época de Lei Áurea (1888) e de Proclamação de República (1889), era uma acusação grave. Todavia, a verdade é que a crítica social simbolista se baseava em uma herança Romântica e, como não podia deixar de ser, nos símbolos – o que, para o filósofo alemão Walter Benjamim, significava a desumanização da linguagem (por seu aspecto pictórico e atemporal). Daí, sobretudo, a dificuldade de uma época extremamente empírica em compreender o símbolo que canta para o ontem, o hoje e o amanhã.
Autores e obras
Cruz e Sousa (1861-1898)
A primeira grande figura entre os simbolistas brasileiros foi o catarinense João da Cruz e Sousa (1861-1898). Filho de escravos alforriados, conseguiu ter uma educação de elite graças aos senhores de seus pais. As suas primeiras obras – Missal (poemas em prosa) e Broquéis (versos) – foram lançadas somente cinco anos após a abolição da escravatura, fazendo com que as críticas negativas se confundissem com teses raciais. O caso mais explícito foi de Araripe Júnior, que, em 1897, participou da criação da Academia Brasileira de Letras. Analisando o Missal, considerou Cruz e Sousa um “maravilhado com a civilização” e que “não negava a ascendência primitiva”; José Veríssimo, um dos críticos mais importantes do Brasil, chegou a enfatizar que os seus poemas lembravam a “monotonia barulhenta do tam-tam africano”. O grande fato é que, se em Missal Cruz e Sousa ainda se mostrava como um autor ir regular, em Broquéis, apresentou ao Brasil uma nova perspectiva de arte, vista pelos primeiros versos do poema introdutório da obra, “Antífona”:
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
[…]
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
[…]
Cruz e Sousa, no decorrer dos seus três
livros derradeiros, todos publicados postumamente
(Evocações – poemas em prosa –, 1898, Faróis – versos – 1900, e Últimos sonetos, 1905),
evoluiu para uma subjetividade muito mais transcendente, para uma palavra muito mais simbólica do que meramente musical, como era comum ao Simbolismo ortodoxo. Em seus Últimos sonetos, atinge a personalíssima estética, criando uma musicalidade própria e inconfundível, dentro dos quatorze versos da pequenina composição poética.
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
Apesar de manter contato com as altas figuras da cultura paulistana e carioca, isolado em Minas Gerais, o segundo grande autor do Simbolismo brasileiro, Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), produziu uma das mais densas, belas e religiosas obras da poesia nacional. O falecimento de sua noiva Constança, filha de Bernardo Guimarães, em 1889, marcou-lhe toda a obra, repleta de “noivas mortas” e tópicas funestas. De inspiração católica, o poeta, que residiu em Mariana durante grande parte de sua vida, escreveu alguns clássicos de nossa poesia, muitos dos quais sonetos (era um mestre no estilo), mas, sem dúvida alguma, o seu poema mais representativo – principalmente pela imagética profunda e espiritualismo decadente – é “Ismália”, presente na Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923):
Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria desceu ao mar.
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Outros autores
O Simbolismo, para além de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, teve reverberação nacional, ocasionando intensa produção em todas as regiões do Brasil. Os casos do paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) e do gaúcho Eduardo Guimaraens (1892-1928) são exemplares. Ambos têm poéticas praticamente opostas, já que o paraibano, autor de Eu e outras poesias (1912), tinha um estilo muito mais schopenhaueriano (no que se refere ao aspecto niilista, ou seja, na convicção da aniquilação de tudo quanto existe) e ao vocabulário científico – mesclado de maneira sábia com crenças budistas (contraditórias ao niilismo) e espiritualistas –; ao passo que o autor da Divina Quimera (1916) tendia muito mais à melancólica investigação do ser, num espelhamento interessante do Romantismo e, essencialmente, das Musas clássicas, sobretudo a Beatriz de Dante.
Leia um exemplo da poesia de Augusto dos Anjos.
Eterna mágoa
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste,
Quer resistir, e quanto mais resiste,
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!
Atividades
1. Leia, com atenção, os textos que seguem.
Texto 1
Ironia dos vermes
[…]
Como que foram feitos de luxúria
E gozo ideal teus funerais luxuosos
Para que os vermes, pouco escrupulosos,
Não te devorem com plebeia fúria.
Para que eles ao menos vendo as belas
Magnificências do teu corpo exausto
Mordam-te com cuidados e cautelas
Para o teu corpo apodrecer com fausto.
[...]
Mas ah! quanta ironia atroz, funérea,
Imaginária e cândida Princesa:
És igual a uma simples camponesa
Nos apodrecimentos da Matéria!
Fonte: SOUSA, Cruz e. Faróis. Edição Fac-Similar. São Paulo: Ateliê Editoral,1998. p. 141.
Texto 2
[...] Ao materialista é indiferente a presença da eternidade e de Deus. Para os simbolistas,
para todos os religiosos, o absoluto e o eterno não passam de moda: estão nos fundamentos
primeiros e últimos da Vida. Fonte: MURICY, José Cândido de Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. v. 1, p. 44.
A) A conclusão de Andrade Muricy acerca do pressuposto simbolista na crença na eternidade
é correta? Justifique a sua resposta.
R: Não está correta. Cruz e Sousa, em sua “Ironia dos Vermes”, tem uma visão do morrer
como parte dos processos biológicos, isto é, qual uma aniquilação da consciência, que é
advinda do cérebro, portanto, indo de encontro à conclusão de Andrade Muricy.
B) Cruz e Sousa foi um dos poetas simbolistas brasileiros em cuja obra mais havia críticas
sobre os problemas da sociedade do final do século XIX. Em que se baseia a crítica social de
“Ironia dos Vermes”?
R: Na equiparação da Princesa com a “simples camponesa”, após a morte. Sob as leis da natureza, não sob as leis do homem, a desigualdade social – consequência de uma sociedade defeituosa – haveria de desaparecer.
2. Leia o texto que segue e responda: Qual figura de linguagem, típica da poesia simbolista, o
carioca Duque Costa (1884-1977) utilizou em seu soneto? Justifique a sua resposta com um trecho do texto. R: A figura de linguagem é a aliteração, ou seja, a repetição de fonemas em vocábulos próximos. O trecho que pode comprovar o seu uso é: Ruivo de raiva ao ruir, o raio risca, ronda,/ rompe, ricocheteia, e, em relâmpagos erra,/ e abre brechas e brame e racha a grota bronca.
A Tempestade
[…]
Ruivo de raiva ao ruir, o raio risca, ronda,
rompe, ricocheteia, e, em relâmpagos erra,
e abre brechas e brame e racha a grota bronca.
Lembra campas de bronze, indo aos tombos em pompas;
Roma em ruínas, a arder, e rolando por terra,
num estrondo infernal de petardos e trompas!
Fonte: COSTA, Duque. O Livro Poético de Duque-Costa. Rio de Janeiro: Cia. Editora Fon-Fon e Seleta, 1990. p. 35.
Sugestões de filmes
CRUZ E SOUSA - O Poeta do Desterro, de Sylvio Back (1998)
ALVA PAIXÃO, de Maria Emília de Azevedo (1994)
Sugestões de músicas
Claude Debussy – Prélude à l’apràs-midi d’un faune (Prelúdio à Tarde de um Fauno) - inspirado em um poema de Mallarmé: <https://www.youtube.com/ watch?v=9_7loz-HWUM>.
Claude Debussy – Clair de Lune - inspirado em um poema de Paul Verlaine: <https://www.youtube.com/watch?v=CvFH_6DNRCY>.
Richard Wagner – Ride of the Valkyries (inspirou o poema “Cavalgada das Valquírias”, de Moacir de Almeida): <https://www.youtube.com/watch?v=XRU1AJsXN1g>.
Referências
GUIMARAENS, Alphonsus de. Obra completa. Rio de Janeiro: Ed. José Aguilar, 1960.
GUIMARAENS, Eduardo. A Divina Quimera. Porto Alegre: Edições da Livraria o Globo, 1944.
MACHADO, Gilka. Poesias completas. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1992.
MURICY, José Cândido de Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
SCHWARCZ, Lília Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e a questão racial no Brasil – 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SOUSA, João da Cruz e. Últimos sonetos. 3. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1997.
SOUSA, João da Cruz e. Missal e broqueis. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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