Contexto sócio-histórico e características literárias
A partir dos anos 1950, sobretudo com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek – que pretendia desenvolver o país 50 anos, em 5 anos de mandato – e a construção de Brasília, o Brasil começou um processo vertical de modernização, industrialização e urbanização, o qual incendiou no país a promessa de um futuro melhor.
Porém, entre 1964 e 1985, os brasileiros experimentaram um período marcado por autoritarismos, violências e silenciamentos, que adiou a concretização de um país mais democrático: instaurou-se no Brasil a Ditadura civil-militar.
Poesia concreta
O Concretismo – ou Poesia Concreta – é um movimento de vanguarda de nossa literatura que teve seu início por volta de 1956, sob a liderança dos poetas paulistas Haroldo de Campos (1929-2003), Augusto de Campos (1931-) – conhecidos como os irmãos Campos – e Décio Pignatari (1927-2012), cuja influência, no campo cultural brasileiro, é perceptível, especialmente por meio dos experimentalismos de linguagem legados ao Tropicalismo. Diante de um ambiente efetivamente urbano, a poesia concreta trava diálogos constantes com a propaganda, o anúncio e o outdoor, em que a velocidade da informação e racionalização da linguagem se associa ao jogo sedutor entre palavras e imagens. Nesses termos, sua proposta primordial constitui-se da aproximação da poesia com as artes visuais, rompendo com as estruturas tradicionais do verso em prol da exploração poética da plasticidade das palavras, das letras e dos espaços em branco da página, sem deixar de lado certos experimentalismos com a sonoridade, principalmente no que diz respeito a aliterações,
assonâncias e paronomásias.
Poesia marginal
Paulo Leminski |
encontradas e comumente utilizada pelos poetas foi a comercialização, a baixo custo, de cópias mimeografadas – por isso mesmo, ficou conhecida também como a geração mimeógrafo –, vendidas diretamente pelo poeta, o que permitia seu contato direto com o público leitor, colocando-se, dessa forma, à margem da vida literária estabelecida pelos domínios das editoras e livrarias. Sob muitos aspectos, a poesia marginal se caracteriza por uma linguagem coloquial e espontânea, repleta de gírias da periferia, palavrões e ironias, em que a temática da vida cotidiana urbana, bem como de preocupação social, aflora através de construções poéticas geralmente sintéticas.
Literatura engajada: narrativa e ditadura civil-militar
Durante a Ditadura civil-militar, mesmo com a forte censura instaurada no âmbito da imprensa e das artes, em especial a partir da promulgação do Ato Institucional nº 5, grande parte da produção literária desse período assume o compromisso político de resistência ao autoritarismo dos militares que tomaram o poder.
Nesses termos, a linguagem cifrada, por meio de metáforas, alusões, símbolos e alegorias, constitui uma característica predominante dessa literatura, a qual busca encontrar um modo de problematizar a realidade política do país, geralmente, por vias implícitas, já que se encontrava sob censura.
Podemos observar a alusão à Ditadura civil-militar, por exemplo, em A festa (1976), de Ivan Ângelo (1936-), prosa marcada pela fragmentação discursiva e pelo hibridismo de gênero, representando os desdobramentos da imigração de um grupo de nordestinos à cidade de Belo Horizonte, que resulta em uma brutal repressão policial, a qual parece aludir à violência de Estado praticada no Brasil, naquela época, porém, nenhuma referência à Ditadura se evidencia completamente no romance.
Outro exemplo é Sombra de reis barbudos (1972), de José J. Veiga (1915-1999), que emprega elementos fantásticos para construir uma alegoria sobre os abusos de poder praticados pelo Estado, nesse período da história brasileira.
Entretanto, sobretudo entre 1975 e 1985, com certo abrandamento da censura, surge uma literatura que discute mais abertamente as questões problemáticas referentes à Ditadura civil-militar, na qual vale destacar a literatura de testemunho, narrativas elaboradas a partir da vivência do próprio escritor ou de alguém que ele conheça que tenha vivenciado um acontecimento, por vezes traumático, que marcou a sociedade, a cultura e a história de uma época. Nesse sentido, o romance brasileiro mais aclamado, produzido nesse período, considerado como literatura de testemunho, é O que é isso, companheiro? (1979), em que Fernando Gabeira (1941-) conta sua própria participação na luta armada, na década de 1960, bem como sua prisão e exílio durante os anos de 1970.
Há ainda outra tendência na literatura brasileira desse momento: o romance-reportagem. Com a forte censura e a autocensura, nas redações dos jornais, muitos jornalistas encontraram na literatura um modo de explorar certos acontecimentos, através de uma escrita que rompesse com as fronteiras entre literatura e jornalismo, entre fato real e ficcionalidade, o que caracteriza o romance-reportagem. Uma das grandes referências dessa tendência é Lúcio Flávio: o passageiro da agonia (1976), de José Louzeiro (1932-), romance-reportagem sobre um dos maiores ladrões de banco do Brasil, que, de alguma maneira, pôde contribuir para a denúncia da violência policial, das precariedades do sistema carcerário brasileiro e do próprio Esquadrão da Morte, na época.
Literatura brutalista
Rubem Fonseca |
condensado, direto e coloquial, implacável em dizer as perversidades, sordidez e atrocidades
humanas, além de a linguagem usada nessas narrativas também trazer em si as marcas do submundo que constantemente tematizam, com suas gírias e palavras de baixo calão.
O grande representante do brutalismo é Rubem Fonseca (1925-), sobretudo nos livros de contos Feliz ano novo (1975) e O cobrador (1979), todavia, é preciso ressaltar que o contista paranaense Dalton Trevisan (1925-) é um de seus precursores na elaboração literária do brutalismo, com narradores tão cruéis quanto os de Fonseca. Nesses termos, a literatura brutalista produzida por Rubem Fonseca influenciou uma série de escritores posteriores à produção literária da década de 1970, como, por exemplo, Patrícia Melo (1962-), cujo romance O matador (1995) merece destaque, bem como Marçal Aquino (1958-), escritor do romance Cabeça a prêmio (2003), um bom exemplo da ressonância do brutalismo na literatura dos anos 2000.
Atividades
1. (Enem -2014)
TEXTO I
João Guedes, um dos assíduos frequentadores do boliche do capitão, mudara-se da campanha havia
três anos. Três anos de pobreza na cidade bastaram para o degradar. Ao morrer, não tinha um vintém
nos bolsos e fazia dois meses que saíra da cadeia, onde estivera preso por roubo de ovelha.
A história de sua desgraça se confunde com a da maioria dos que povoam a aldeia de Boa Ventura,
uma cidadezinha distante, triste e precocemente envelhecida, situada nos confins das fronteiras do
Brasil com o Uruguai.
(MARTINS, C. Porteira fechada. Porto Alegre: Movimento, 2001 (fragmento)).
TEXTO II
Comecei a procurar emprego, já topando o que desse e viesse, menos complicação com os homens,
mas não tava fácil. Fui na feira, fui nos bancos de sangue, fui nesses lugares que sempre dão para
descolar algum, fui de porta em porta me oferecendo de faxineiro, mas tava todo mundo escabreado
pedindo referências, e referências eu só tinha do diretor do presídio. (FONSECA, R. Feliz Ano Novo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 (fragmento)).
A oposição entre campo e cidade esteve entre as temáticas tradicionais da literatura brasileira. Nos
fragmentos dos dois autores contemporâneos, esse embate incorpora um elemento novo: a questão da
violência e do desemprego. As narrativas apresentam confluência, pois nelas o(a)
A) criminalidade é algo inerente ao ser humano, que sucumbe a suas manifestações.
B) meio urbano, especialmente o das grandes cidades, estimula uma vida mais violenta.
C) falta de oportunidades na cidade dialoga com a pobreza do campo rumo à criminalidade.
D) êxodo rural e a falta de escolaridade são causas da violência nas grandes cidades.
E) complacência das leis e a inércia das personagens são estímulos à prática criminosa.
Resposta: c
2. (Enem – 2014)
Tarefa
Morder o fruto amargo e não cuspir
Mas avisar aos outros quanto é amargo
Cumprir o trato injusto e não falhar
Mas avisar aos outros quanto é injusto
Sofrer o esquema falso e não ceder
Mas avisar aos outros quanto é falso
Dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a não pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
Então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano. (CAMPOS, G. Tarefa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981).
Na organização do poema, os empregos da conjunção “mas” articulam, para além de sua função
sintática,
A) a ligação entre verbos semanticamente semelhantes.
B) a oposição entre ações aparentemente inconciliáveis.
C) a introdução do argumento mais forte de uma sequência.
D) o reforço da causa apresentada no enunciado introdutório.
E) a intensidade dos problemas sociais presentes no mundo.
Resposta: C
Sugestões culturais
Álbum Tropicalia ou Panis et Circencis, de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé (1968).
Bandeira Seja marginal, seja herói, de Hélio Oiticica (1968).
Filme O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha (1968).
Filme Batismo de sangue, de Helvécio Ratton (2007).
Documentário Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho (1984).
Documentário Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil (2010).
Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
BOSI, Alfredo (Org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1977.
CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Duas Cidades, 1975.
CARNEIRO, Flávio. No país do presente: ficção brasileira no início do século XXI. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
MATTOSO, Glauco. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasiliense, 1981.
PELLEGRINI, Tânia. Gavetas vazias: ficção e política nos anos 70. São Carlos:
EDUFSCar; São Paulo: Mercado de Letras, 1996.
SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Breve mapeamento das relações entre violência e cultura no Brasil contemporâneo. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, DF, n. 29, p. 27-53, jan./jun. 2007.
SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009.
SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Cena do crime: violência e realismo no Brasil contemporâneo.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2013.
SÜSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance?: uma ideologia estética e sua história:
o naturalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.
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