sábado, 6 de julho de 2019

Classicismo - Aula teórica

Classicismo
Contexto sócio-histórico e características literárias
O que comumente chamamos de Classicismo é a representação literária de um movimento muito mais vasto e abrangente, denominado Renascimento, que englobou as artes, as ciências, a visão de mundo e a cultura humana em geral. Surgido na Itália e disseminado por toda a Europa, nos séculos XV e XVI, esse período é considerado o marco inicial da Era Moderna, uma fase de transição entre a tradição feudal estabelecida e a emergência avassaladora do capitalismo burguês.
Com o crescimento da burguesia, desencadeia-se uma verdadeira revolução comercial, marcada fortemente pelo comércio com o Oriente, pela circulação progressiva das moedas e pela consolidação da vida urbana. O acentuado investimento na ciência naval, a expansão marítima e, por conseguinte, a descoberta da América por Cristóvão Colombo, em 1492, fazem com que o homem do Renascimento seja um ser universalista e expansivo, que acredita vigorosamente em seu poder transformador, partindo do pressuposto de que tudo pode ser explicado pela razão e pelas ciências.
Não há limite para o ser humano. Por isso, o homem desse período é bastante marcado pelo universalismo, pelo racionalismo e pelo antropocentrismo.
O nome “Classicismo” nasce justamente do reencontro da cultura clássica greco-romana com o homem daquele momento histórico, o qual a resgata na produção artística do período e imita formas e temas daqueles autores, formando as bases da renovação cultural e literária do Classicismo. Homero, Virgílio, Ovídio e vários outros poetas de grande relevância são seguidos, grandemente admirados e cultuados.
A linguagem do Classicismo é sóbria, não é subjetiva nem impregnada de sentimentalismos. Através do uso aguçado da razão, os Clássicos buscam verdades universais, não cometem excessos de linguagem e desprezam o individual, o particular e o relativo. Desse modo, outra forte influência dos autores do Classicismo foram as ideias de Platão. Retratavam em suas obras um amor racional, elevado e idealizado, com o desejo sendo aplacado e comandado pela razão e pelo juízo. A influência
de Platão também se verifica no culto à perfeição e à beleza. A arte do Classicismo também é pautada por grande formalismo, com uma busca incessante pela perfeição das formas. Rigor formal nas rimas e na métrica, além de destacada preocupação na escolha do vocabulário e na correção gramatical são características latentes dos autores Clássicos.
A “medida velha” medieval (redondilha menor e redondilha maior) é substituída pela “medida nova” (versos decassílabos), proveniente da Itália: o soneto, também conhecido como dolce stil nuovo (doce estilo novo), introduzido em Portugal, em 1527, por Francisco Sá de Miranda.

Camões

Resultado de imagem para camõesLuís Vaz da Camões (1524-1580) é um dos mais importantes autores em língua portuguesa de todos os tempos. Há muitas lendas e suposições em relação à biografia de Camões. Nascido em uma família nobre, escolheu a carreira das armas e se alistou muito novo. Em Marrocos, perdeu um dos olhos em uma batalha. Uma das histórias mais famosas sobre Camões narra que, voltando de uma das muitas viagens que fez, naufragou na Conchinchina (Vietnã), na foz do Rio Mekong. No naufrágio,
sua companheira Dinamene (homenageada pelo poeta em sonetos futuros) acabou morrendo, mas Camões conseguiu heroicamente salvar os manuscritos de sua obra literária mais importante, Os Lusíadas, a grande epopeia do povo português, os 8816 versos mais importantes da língua portuguesa, texto que seria editado mais tarde, em 1572. Camões morreu em 1580 e deixou uma importantíssima obra lírica, épica e teatral. Vejamos um de seus sonetos mais conhecidos e destacados:

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Os Lusíadas

Resultado de imagem para os lusíadasOs Lusíadas é uma obra épica em versos, composta por dez cantos, 1102 estrofes e 8816 versos, num sistema métrico decassílabo rigoroso e apurado, de rima real (abababcc). A obra mais importante
de Camões se organiza em cinco partes:

1 – Proposição (Canto I, estrofes 1 a 3):
apresentação da matéria a ser cantada: osfeitos dos navegadores portugueses, principalmente dos navegadores da esquadra de Vasco da Gama, além da história do povo português.

2 – Invocação (Canto I, estrofes 4 e 5): o poeta invoca a ajuda das musas do Rio Tejo (as Tágides), que o inspirarão na composição da obra.

3 – Dedicatória (Canto I, estrofes 6 a 18): o poema é dedicado ao Rei Dom Sebastião, tido como a grande esperança de propagação da fé católica e continuação das grandes conquistas portuguesas pelo mundo.

4 – Narração (Do Canto I, estrofe 19, até Canto X, estrofe 144): o poema em si – a viagem de Vasco da Gama e as glórias da heroica história portuguesa.

5 – Epílogo (Canto X, Estrofes 145 e 156): grande lamento do poeta, que lastima o fato de sua “voz rouca” não ser ouvida com a atenção que deveria.

Sá de Miranda

Resultado de imagem para sá de mirandaFrancisco Sá de Miranda (1481-1558) nasceu em Coimbra e é considerado um dos mais importantes poetas portugueses. Doutor em Direito, Sá de Miranda foi para a Itália e respirou os ares do Renascimento. Antes da viagem, já era colaborador do Cancioneiro Geral, compilação de poesias daquele período. Todavia, em sua volta da Itália para Portugal é que Sá de Miranda trouxe a nova estética para a literatura portuguesa, introduzindo o soneto e iniciando o Classicismo em Portugal. Além da poesia, o autor escreveu peças de teatro, cartas em versos e comédias.





O Sol é grande; caem c’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que soe ser fria.
Esta água que cai d’alto, acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidado graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves!
qual é tal coração qu’em vos confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que o vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
também mudando-m’eu fiz doutra cores
e tudo o mais renova, isto é sem cura!

Atividades
1. Leia atentamente o excerto abaixo, do Classicismo, retirado do episódio “O Velho do Restelo”, de “Os Lusíadas”, obra máxima de Camões, e responda: na passagem analisada, o velho critica ou elogia a postura portuguesa em relação às navegações? Explique a sua resposta.

Mas um velho, de aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:

“Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C’uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

Dura inquietação d’alma e da vida
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana.

2. Leia o fragmento poético abaixo de Camões e diga se é um soneto, uma écloga ou uma
elegia. Explique a sua resposta.
À morte de D. Miguel de Meneses, filho de D. Henrique de Meneses, governador da Casa Cível, que morreu na Índia:

Que novas tristes são, que novo dano,
que mal inopinado incerto soa,
tingindo de temor o vulto humano?
Que vejo as praias húmidas de Goa

ferver com gente atónita e torvada
do rumor que de boca em boca soa.
É morto D. Miguel – ah, crua espada! –
e parte da lustrosa companhia

que se embarcou na alegre e triste armada,
e de espingarda ardente e lança fria
passado pelo torpe e iníquo braço
que nessas altas famas injuria.

Não lhe valeu rodela ou peito de aço,
nem ânimo de Avós altos herdado,
com que se defendeu tamanho espaço;
não ter-se em derredor todo cercado
de corpos de inimigos, que exalavam
a negra alma do corpo traspassado;
não com palavras fortes, que voavam
a animar os incertos companheiros
que, fortes, caem e tímidos viravam.

Sugestões culturais
Filme CAMÕES, dirigido por José Leitão de Barros, de 1946, filmado em Portugal, que aborda a vida do poeta português, com António Vilar no papel de Camões.
Filme TROIA, dirigido por Wolfgang Petersen, de 2004, filmado nos EUA, filme épico de guerra, baseado na Ilíada, célebre poema de Homero, com Brad Pitt no papel de Aquiles, Eric Bana interpretando Heitor, Orlando Bloom como Páris e Diane Kruger como Helena de Troia, além de grande elenco.
Alguns poemas e excertos de poemas de Camões foram musicados. Sugerimos as estrofes 82 e 83, do Canto IX de “Os Lusíadas”, musicadas por Carlos Gonçalves e interpretadas por Cristina Branco, no CD Sensus, lançado pela Universal, em 2003.
No Brasil, em 1989, o disco As Quatro Estações, da banda de rock Legião Urbana, trouxe uma canção chamada “Monte Castelo”, onde Renato Russo musica e interpreta quase na íntegra o soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”, de Camões, misturando seus versos a trechos do capítulo 13 da I Coríntios, texto bíblico.

Referências
AMORA, Antônio Soares. Presença da literatura portuguesa: era clássica. São Paulo: Difel, [19--].
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1995.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000.
GUIMARÃES, Ruth. Dicionário da mitologia grega. São Paulo: Cultrix, 1998.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através de textos. São Paulo: Cultrix, 1994a.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa em perspectiva. São Paulo: Atlas, 1994b.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1995a.
MOISES, Massaud. Dicionários de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1995b.
SARAIVA, Antônio José. História da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 1996.

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