Barroco
Contexto sócio-histórico e características literáriasNo século XVI, enquanto se vivia na Europa o auge do Renascimento, movimento cultural, artístico, filosófico e científico no qual se valorizou, em primeira instância, o homem em sua racionalidade, dotado de potencialidades para conhecer a si mesmo, ao outro e ao mundo, por meio de sistemas racionalmente organizados, Martinho Lutero promoveu a Reforma protestante, em 1517, com a publicação das 95 teses, as quais questionavam certos aspectos doutrinários da Igreja Católica Romana, o que, em contrapartida, resultou no movimento de Contrarreforma, promovido pela Igreja Católica, como resposta à Reforma protestante, impulsionado pela convocação do Concílio de Trento, em 1545, que se estendeu até o ano de 1563.
Nesse contexto histórico, social e cultural, o Barroco, iniciado no final do século XVI, tem seu momento de apogeu no século XVII e chega até as primeiras décadas do século XVIII, capta esteticamente as contradições e conflitos do homem da época, que se depara, por um lado, com as concepções racionalistas e antropocêntricas (o homem como centro do universo) do Renascimento e, por outro lado, com as propostas da Reforma e da Contrarreforma, no que se refere à fé, à espiritualidade e às doutrinas cristãs.
Sob muitos aspectos, o Barroco explora literariamente, com os excessos que lhe são característicos, a dualidade de elementos opostos, seja por meio de temas que enfatizam as tensões da alma humana, o conflito entre mundo material e mundo espiritual e as divergências entre fé e razão, seja por meio de uma linguagem rebuscada, jogos retóricos e emprego constante de figuras de linguagem, sobretudo a
antítese, o paradoxo e o hipérbato.
Há ainda, na literatura barroca, dois estilos característicos desse movimento literário: o cultismo ou gongorismo (por influência do poeta espanhol Luís de Gôngora), que diz respeito ao trabalho formal com a linguagem literária, marcado por rebuscamentos, excessos e exploração estética da materialidade da palavra, sobretudo através de figuras de linguagem; e o conceptismo ou quevedismo (por influência do poeta espanhol Francisco de Quevedo), o qual se caracteriza como o jogo
de ideias, pensamentos e raciocínios lógicos que, por meio de analogias, exploram as sutilezas da argumentação.
Gregório de Matos
Gregório de Matos (1633?-1696), poeta brasileiro, nascido em Salvador, mas formado em Direito em Coimbra, Portugal, embora não tenha reunido seus poemas em livro para publicação, o que
fez que sua poesia fosse desconhecida na literatura brasileira até as primeiras décadas do século XX, produziu uma obra muito significativa, singular e irreverente, rompendo, por vezes, com os
próprios princípios do Barroco europeu.
Sob muitos aspectos, sua obra se constitui de:
1. poesias líricas, em que pôde se aproximar com mais afinco das concepções, propostas e procedimentos do Barroco europeu, pelo desenvolvimento de uma lírica amorosa (em que o sujeito
poético se vê diante do dualismo entre as pulsões dos seus desejos amorosos e as imposições do pecado), uma lírica religiosa (em que pôde elaborar poeticamente temas diretamente relacionados ao universo cristão, como, por exemplo, o amor a Deus, o arrependimento e o pecado) e uma lírica filosófica (cujo descompasso entre sujeito poético e o mundo é a tônica dessa poesia);
2. poesias satíricas, parte mais original de sua obra, que lhe conferiu o apelido de “Boca do Inferno”, por criticar, de modo impiedoso, irônico e escrachado, a realidade sociocultural do período, bem
como os diferentes grupos sociais da Bahia da época.
Padre Antônio Vieira
Padre Antônio Vieira (1608-1697) nasceu em Portugal, mas veio aos sete anos de idade com a família para o Brasil, realizou seus estudos com os jesuítas na Bahia e, aos quinze anos, ingressou para a Companhia de Jesus, tornando-se ele também um padre jesuíta. Sua obra pertence tanto à literatura portuguesa quanto à brasileira e se constitui essencialmente de sermões. Os sermões não se dedicam única e exclusivamente à pregação da fé cristã e da doutrina católica, mas também se preocupam em incitar a reflexão crítica de determinadas questões políticas e, ao mesmo tempo, denunciar certas injustiças sociais, como, por exemplo, a exploração indígena no Brasil, o que resultou em problemas até mesmo com a Inquisição. O crítico literário Alfredo Bosi ressalta que “de Vieira ficou o testemunho de um arquiteto incansável de sonhos e de um orador complexo e sutil, mais conceptista do que cultista, amante de provar até o sofismo, eloquência até à retórica, mas assim mesmo, ou por isso mesmo, estupendo artista da palavra” (2006, p. 45). Sua obra mais importante é o Sermão da sexagésima, em que, para além da temática religiosa, Padre Antônio Vieira reflete ainda sobre a própria arte de pregar por sermões, de sorte a construir uma argumentação a partir do questionamento inicialmente apresentado do porquê a Palavra de Deus pode dar poucos resultados.
Atividades
1. (ENEM – 2014)
Quando Deus redimiu da tirania
Da mão do Faraó endurecido
O Povo Hebreu amado, e esclarecido,
Páscoa ficou da redenção o dia.
Páscoa de flores, dia de alegria
Àquele Povo foi tão afligido
O dia, em que por Deus foi redimido;
Ergo sois vós, Senhor, Deus da Bahia.
Pois mandado pela alta Majestade
Nos remiu de tão triste cativeiro,
Nos livrou de tão vil calamidade.
Quem pode ser senão um verdadeiro
Deus, que veio estirpar desta cidade
O Faraó do povo brasileiro.
DAMASCENO, D. (Org.). Melhores poemas: Gregório de Matos. São Paulo: Globo, 2006.
Com uma elaboração de linguagem e uma visão de mundo que refletem princípios barrocos, o soneto de Gregório de Matos apresenta temática expressa por
A) visão cética sobre as relações sociais.
B) preocupação com a identidade brasileira.
C) crítica velada à forma de governo vigente.
D) reflexão sobre os dogmas do cristianismo.
E) questionamento das práticas pagãs na Bahia.
Resposta: C
2. (FUVEST – 2014) Não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e à paixão de Cristo, que o vosso em um destes engenhos [...]. A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento e martírio [...]. De todos os mistérios da vida, morte e ressurreição de Cristo, os que pertencem por condição aos pretos, e como por herança, são os mais dolorosos.
P. Antônio Vieira, Sermão décimo quarto. In: I. Inácio & T. Lucca (orgs.). Documentos do Brasil colonial. São Paulo: Ática, 1993, p.73-75.
A partir da leitura do texto acima, escrito pelo padre jesuíta Antônio Vieira, em 1633, pode- se afirmar, corretamente, que, nas terras portuguesas da América,
A) a Igreja Católica defendia os escravos dos excessos cometidos pelos seus senhores e os incitava a se revoltar.
B) as formas de escravidão nos engenhos eram mais brandas do que em outros setores econômicos, pois ali vigorava uma ética religiosa inspirada na Bíblia.
C) a Igreja Católica apoiava, com a maioria de seus membros, a escravidão dos africanos, tratando, portanto, de justificá-la com base na Bíblia.
D) clérigos, como P. Vieira, se mostravam indecisos quanto às atitudes que deveriam tomar em relação à escravidão negra, pois a própria Igreja se mantinha neutra na questão.
e) havia formas de discriminação religiosa que se sobrepunham às formas de discriminação racial, sendo estas, assim, pouco significativas.
Resposta: C
Sugestões culturais
Filme: Sociedade dos poetas mortos, de Peter Weir (1989).
Filme: As bruxas de Salém, de Nicholas Hytner (1996).
Escultura: O êxtase de Santa Tereza, de Gian Lorenzo Bernini (1645-1652).
Escultura: Os doze profetas, de Aleijadinho (1795-1805).
Escultura: Passos da Paixão, de Aleijadinho (1996-1799).
Sermões do Padre Vieira em Áudio livro:https://www.youtube.com/watch?v=8dS3nSsuPH4
Poemas de Gregório de Matos: Áudio livro: https://www.youtube.com/watch?v=Lk7UsYp2BhE
Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1968. v. 3.
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 11. ed. Porto: Porto Editora, 1955.
SODRÉ, Nelson Werneck Sodré. História da literatura brasileira: seus fundamentos econômicos. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento Teixeira, 1601a Machado de Assis, 1908. 4. ed. Brasília, DF: Ed. Universidade de Brasília, 1963.
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