Arcadismo
Ao longo do século XVIII, a Europa passou por intensas transformações, como o processo de evolução Industrial, iniciado na Inglaterra, a Revolução Francesa e o advento do pensamento ilustrado (ou iluminista). Tais processos alteraram estruturas sociais, políticas e econômicas, como, por exemplo, colocando em xeque a nobreza e o clero, conferindo maior poder à burguesia. Nesse cenário, adquirem valor de destaque a ciência e a razão. A academia literária da Arcádia Lusitana (1756-1776), em Portugal, lançava a base do Arcadismo brasileiro, com traços como a simplicidade, a convenção pastoral e a inspiração em autores e cultura clássicos, além de estabelecer os ideais de Verdade, Razão e Natureza. Assim, a poesia árcade preza pela clareza e pela simplicidade, algo que se vincula ao pensamento ilustrado da época, marcado pelo cultivo do saber e da razão. Dessa forma, para os árcades, a poesia deveria se afastar de formas rebuscadas que dificultassem a sua compreensão, pois, para eles, a compreensão da realidade se dá por meio do pensamento organizado de modo racional. É nesse sentido que a poesia árcade combate o Cultismo (jogo de palavras rebuscado, com propósito ornamental), um traço característico do Barroco. A temática bucólica pastoral vincula-se à busca pela naturalidade e pela simplicidade, e trata a natureza com nostalgia, como um bem perdido. A rusticidade do país daquele contexto, aponta Antônio Cândido (2014), tornou a poesia pastoral mais natural no Brasil do que em Portugal. No tocante aos aspectos formais do movimento literário, destacam-se os versos decassílabos e as formas nas quais eles são empregados com muita frequência, como sonetos e odes.
Cláudio Manuel da Costa
O primeiro poeta árcade brasileiro foi Cláudio Manuel da Costa (1729-1789). De família abastada, cujos negócios se ligavam à mineração, Cláudio Manuel estudou no Colégio dos Jesuítas, no Rio de Janeiro, e cursou Direito, em Coimbra. Ao regressar de Portugal, tornou-se advogado e administrador dos bens que herdara em Vila Rica (atual Ouro Preto). Detido por ser membro do movimento da Inconfidência Mineira, foi encontrado morto na prisão por suposto suicídio.
Os sonetos de Cláudio Manuel da Costa, segundo Alfredo Bosi (1994), são caracterizados pelo bucolismo e pelas figuras de pastoras quase sempre inacessíveis pelo eu-lírico. Um procedimento temático empregado na poesia de Costa, também apontado por Cândido (2004), é a metamorfose de acidentes naturais como a transformação de personagens mitológicas, aproximando a realidade brasileira à tradição clássica, o que a afirma na tradição literária ocidental. Suas principais publicações são Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa (1768), na qual o poeta adota o pseudônimo Glauceste Satúrnio, e Vila Rica (escrito em 1773, publicado postumamente, em 1839).
Soneto LXXXI
Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.
Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras hamadríades o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estão chorando.
Mas que peito há de haver tão desabrido,
Que fuja à minha dor! Que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!
Igual caso não temo, que se conte;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.
Tomás Antônio Gonzaga
Nascido em Portugal, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810?) estudou com os jesuítas na Bahia, durante a sua infância, e retornou a Portugal, onde se formou em Direito e trabalhou durante alguns anos. De volta ao Brasil, tornou-se ouvidor em Vila Rica. Anos depois, por causa de sua participação na Inconfidência Mineira, foi preso e degredado para Moçambique, onde viveu até a sua morte. Destacam-se, na sua produção poética, as liras de Marília de Dirceu (primeira parte - 1792; edição com as duas partes: 1799), obra que estabelece um forte vínculo com a vida do poeta: Marília é a representação de Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, jovem que Gonzaga, representado por Dirceu nas liras, amava. Gonzaga chegou a ser noivo de Maria Dorotéia antes de ser preso pelo seu envolvimento com a Inconfidência. Poesia de atmosfera pastoril, Marília de Dirceu apresenta duas partes. Na primeira delas, o eu-lírico declara o seu amor por Marília e pelo desejo de uma vida conjugal com ela, marcada não por grandes idealizações, mas por um cotidiano doméstico dividido a dois. Na segunda parte, escrita por Gonzaga no cárcere, Marília é evocada, mas o centro do poema é o próprio eu-lírico e seus dramas.
Vejamos um trecho da “Lira I”:
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Outros autores importantes
A literatura árcade brasileira apresenta outros autores de destaque. Figura entre eles José Basílio da Gama (1741-1795), que escreveu o poema épico O Uraguai (1769), o qual trata da disputa entre índios, jesuítas e tropas de portugueses e espanhóis por Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul. Composto em cinco cantos com versos brancos, o poema representa o índio como uma figura heroica, como um homem natural (menos por viver próximo à natureza, mais por expressar espontaneamente a sua afetividade). O poema também constrói um ataque aos jesuítas, algo
lido como uma louvação ao Marquês de Pombal (1699-1782), por quem Basílio da Gama era protegido.
Outro autor de destaque é Frei José Santa Rita Durão (1722-1784), cuja obra Caramuru (1781) vai em direção contrária a O Uraguai, por celebrar os jesuítas, por meio do pensamento de que é um progresso fazer com que uma sociedade primitiva se torne civilizada, de acordo com os princípios católicos (ou seja, por meio da catequese dos jesuítas).
O poema épico de Santa Rita Durão trata do descobrimento da Bahia, contando a história de Diogo Álvares Correia, náufrago português que passa a ser chamado pelos índios tupinambás de Caramuru (“filho do trovão”). Diogo-Caramuru casa-se com a índia Paraguaçu, simbolizando a união do colonizador com o povo colonizado.
Atividades
Leia o poema a seguir de Cláudio Manuel da Costa para responder às questões 1, 2 e 3.
Soneto VII
Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado,
E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado;
Ali em vale um monte está mudado:
Quando pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera;
Nem troncos vejo agora, decadentes.
Eu me engano: a região esta não era...
Mas, que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera?
Fonte: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000040.pdf>. Acesso em: 15 maio 2015.
1. Como se caracterizam o passado e o presente, no poema? Use trechos do poema para justificar a sua resposta. O passado é florescente e eufórico (“Árvores aqui vi tão florescentes, / Que faziam perpétua a primavera), e o presente é decadente e disfórico (“Nem troncos vejo agora, decadentes”).
2. Levando em consideração a sua resposta anterior e as premissas do pensamento árcade, qual o vínculo entre passado, a natureza encontrada (espaço externo) e a condição presente do eu-lírico (espaço interno)? A natureza do passado, perdida no presente, é vista com nostalgia. A decadência dos elementos da natureza (árvores, fonte) do espaço externo representam o sofrimento interno do eu-lírico. Ou seja, ao falar do que vê na natureza, o eu-lírico fala do que está sentindo.
3. Qual é a ironia amarga para o eu-lírico que emerge na última estrofe do poema? Notar que ele havia se enganado, pois a região em que ele se encontrava não era a que ele pensava ser. Na verdade, o que causa o seu próprio mal-estar gera projeções sobre o espaço externo.
Sugestões de sites públicos
BIBLIOTECA “Literatura Digital”, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Disponível em: <http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/>. Nesse site estão disponíveis várias obras de poetas árcades.
BIBLIOTECA Brasiliana Guita e José Mindlin. Disponível em: <http://www.bbm.usp.br/>. No acervo desta biblioteca estão disponíveis versões digitalizadas várias obras raras, como as primeiras edições dos livros de Cláudio Manuel da Costa e de outros poetas árcades.
Sugestão de filme
CARAMURU - a invenção do Brasil. Direção: Guel Arraes. Produção: Anna Barroso.
Intérpretes: Selton Mello, Camila Pitanga e Deborah Secco. Produzido por Globo
Filmes; Lereby Productions. 2001.
O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN
A LAGOA AZUL
PERFUME, A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO
Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 37. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 15. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2014.
COSTA, Cláudio Manoel. Soneto LXXXI. In: ______. Obras poéticas de Glauceste Satúrnio. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ fs000040.pdf>. Acesso em: 15 maio 2015.
GONZAGA, Tomás Antônio. Lira I. In: ______. Marília de Dirceu. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000301.pdf>. Acesso em: 15 maio 2015.
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