Texto 1
Texto 2
Os cães estão mais humanos. Demasiadamente humanos. Com roupas e nomes
de gente, vão à creche de perua escolar, passeiam no shopping, fazem
sessões de spa. De melhores amigos foram promovidos a filhos.
“O cachorro é o centro de muitas famílias. É a nova televisão. É ele
quem une as pessoas”, diz a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de,
entre outros livros, “De Perto Ninguém é Normal”.
Na casa de Ully Caroline Sousa, 27, e Alessandro Alla, 29, ele médico
radiologista e ela estudante de medicina, é assim: viagens e
restaurantes, só quando a Diva pode.
A mestiça de shih-tzu com maltês tem dois anos e meio e quase os mesmos
privilégios de uma criança mimada da sua idade. Dorme com o casal (que
não tem filhos), vai à creche de segunda a sexta-feira para ter aulas de
adestramento e ganha presentes da Barbie. “Diva é a nossa filhinha”,
diz a “mãe”.
Casais que adotam cachorros são os clientes mais fieis de Vanessa
Rodrigues, veterinária dona da creche animal Cãominhando, que chega a
ter 150 mensalistas fixos. No pet shop de luxo de Felipe Faria, no
shopping Cidade Jardim, em São Paulo, casais e mulheres sós são os que
mais usam o serviço de fraldário, primeiro no Brasil.
Texto 3
Como a gente
Não é preciso ir mais longe: sobram evidências para o que os
especialistas chamam de antropomorfismo ou humanização -atribuir aos
bichos características e sentimentos humanos.
As hipóteses para explicar o fenômeno são muitas. “A configuração da
família está mudando. Cresce o número de pessoas sozinhas e com
dificuldade de se relacionar”, comenta Goldenberg.
Para o psiquiatra Elko Perissinotti, vice-diretor do Hospital Dia do
Instituto de Psiquiatria do HC, o contato com animais de estimação tem a
mesma função do contato interpessoal: suprir carências afetivas.
“É uma relação benéfica e prazerosa. O simples toque em um animal libera
hormônios que aumentam a disposição para contatos sociais, entre outros
benefícios.”
Da brincadeira divertida para a relação pai e filho é um pulo. Segundo a
veterinária e psicóloga Hannelore Fuchs (ela é uma das idealizadoras do
projeto Pet Smile, de terapia assistida com animais), o grande atrativo
que faz os bichos serem humanizados é que eles são fontes certeiras e
inesgotáveis de afeto.
Um cão não reclama se você chegar tarde e sempre está disposto a dar uma
volta. “É o relacionamento perfeito. Podemos desabafar sem receber
críticas. Colocamos eles no patamar afetivo de seres humanos e
preenchemos um vazio”, diz Hannelore.
Texto 4
Amor incondicional
A promotora de eventos Sandra Portelo não esconde sua relação com as
cadelas Carla Bruni, Isabeau e Nina: “Cachorro é o único amor que a
gente compra. É amor incondicional. É polêmico, mas é assim que penso.” E
gasta R$ 1.000/mês com as peruagens no pet shop.
Cecy Passos, 40, é dona e empresária da gata Nikole. A bichana de dez
anos tem uma carreira de top de botar inveja em adolescentes. Assina
linha de produtos felinos, abre desfiles de moda, tem site e seguidores
no Twitter. Tanta fama faz com que muita gente conheça a dona pela gata
(e não o contrário). “Vou a todo lugar com ela. Somos uma só. Às vezes, é
como se eu tivesse perdido a identidade”, diz Cecy.
Aí é que está. O problema não é chamar de filho ou dar regalias ao
bicho, segundo o psiquiatra Alvaro Ancona de Faria, professor da
Unifesp.
“O problema é idealizar a relação e projetar no animal um comportamento
que não é de sua natureza. Como é mais fácil de controlar, a pessoa acha
que é uma relação perfeita e acaba ficando desestimulada de criar
outros vínculos sociais.”
Para cães e gatos, serem tratados como crianças também não faz bem. “As
necessidades básicas dos animais podem ser esquecidas”, diz Ceres Berger
Faraco, veterinária e terapeuta animal. Em sua clínica, a terapeuta
atende famílias com “cachorros-problema”. “São cães agressivos e que não
podem conviver em grupo. Eles ficam assim porque são tratados como
gente.”
Não custa passar o lembrete de Cesar Ades, professor do Instituto de
Psicologia da USP e um dos pioneiros no estudo de comportamento animal
no Brasil: apesar de o contato com bichos fazer bem, nunca vai
substituir a relação com outras pessoas.
“São coisas diferentes. O cachorro nos dá coisas que o ser humano não
dá, e os animais não dão tudo que os humanos dão. Eles nos dão uma
alegria canina. Só isso já é culturalmente válido.”
Fonte: Folha Online, 5/10/2010 Por JULIANA VINES
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