FITA VERDE NO CABELO
- Nova velha estória de João Guimarães Rosa
Havia uma aldeia em algum lugar,
nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que
esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo,
suficientemente, menos meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de
lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e
um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde
partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em
calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o
bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum,
desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então,
ela, mesma, era quem se dizia: –“Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde
no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá,
depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não
vê que não são. E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e
longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra
também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não
voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com
ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns,
quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejamente.
Demorou, para dar com a avó em
casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: — “Quem é?”.
–“Sou
eu…” — e Fita-Verde descansou a voz. — “Sou sua linda netinha, com cesto e
pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou”.
Vai, a avó, difícil, disse: —
“Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe”. Fita-Verde
assim fez, e entrou e olhou.
A avó
estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco,
assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: — “Depõe o pote e o cesto na
arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo”. Mas agora Fita-Verde se
espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita
verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela
perguntou:
— “Vovozinha,
que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”
— “É
porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…” — a avó murmurou.
— “Vovozinha, mas que lábios, ai,
tão roxeados!”
— “É porque não não vou nunca mais
poder te beijar, minha neta…” — a avó suspirou.
— “Vovozinha,
e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?”
— “É
porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha…” — a avó ainda gemeu.
Fita-Verde
mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou:
— “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo…”
Mas a avó não estava mais lá,
sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
1. Guimarães Rosa é conhecido por criar neologismos
(palavras inventadas) cite os neologismos presentes neste conto e dê o
significado de acordo com o contexto.
2. O conto reafirma ou transforma o conto original? De que
forma?
3. Descreva o que significam na história:
a) a fita verde no cabelo
b) o pote e o cesto
c) o caminho encurtoso
d) os lenhadores
e) a vovozinha
f) o lobo
4. O conto recria a tradicional história de Chapeuzinho
Vermelho, citando suas marcas mais conhecidas e refazendo seu sentido original.
Distanciando-se, ainda, da história conhecida, o narrador faz questão de
assinalar o caráter ficcional da narrativa.
Esse procedimento, de apontar a própria narrativa como
produto da ficção, explicita-se na seguinte passagem:
a) "Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó,
que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia."
b) "Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os
lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem
peludo."
c) "A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele
moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não
são."
d) "Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe
respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:"
5. "Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se
de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava
suada, com enorme fome de almoço."
Pela leitura global do conto, é possível afirmar que essa
passagem implica uma mudança para a personagem.
Essa mudança pode ser caracterizada como:
a) encontro com o passado e superação do medo do
desconhecido
b) ruptura com um mundo de fantasia e aproximação com a
realidade
c) supressão do ponto de vista infantil e afirmação de uma
nova perspectiva
d) alteração da antiga ordem familiar e conhecimento do
fenômeno da morte
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