quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Guimarães Rosa - Fita verde no cabelo


FITA VERDE NO CABELO - Nova velha estória de João Guimarães Rosa

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia: –“Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são. E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejamente.
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: — “Quem é?”.
                –“Sou eu…” — e Fita-Verde descansou a voz. — “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou”.
Vai, a avó, difícil, disse: — “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe”. Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
                A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: — “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo”. Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
                — “Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”
                — “É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…” — a avó murmurou.
— “Vovozinha, mas que lábios, ai, tão roxeados!”
— “É porque não não vou nunca mais poder te beijar, minha neta…” — a avó suspirou.
                — “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?”
                — “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha…” — a avó ainda gemeu.
                Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
                Gritou: — “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo…”
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

1. Guimarães Rosa é conhecido por criar neologismos (palavras inventadas) cite os neologismos presentes neste conto e dê o significado de acordo com o contexto.
2. O conto reafirma ou transforma o conto original? De que forma?
3. Descreva o que significam na história:
a) a fita verde no cabelo
b) o pote e o cesto
c) o caminho encurtoso
d) os lenhadores
e) a vovozinha
f) o lobo
4. O conto recria a tradicional história de Chapeuzinho Vermelho, citando suas marcas mais conhecidas e refazendo seu sentido original. Distanciando-se, ainda, da história conhecida, o narrador faz questão de assinalar o caráter ficcional da narrativa.
Esse procedimento, de apontar a própria narrativa como produto da ficção, explicita-se na seguinte passagem:
a) "Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia."
b) "Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo."
c) "A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são."
d) "Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:"
5. "Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço."
Pela leitura global do conto, é possível afirmar que essa passagem implica uma mudança para a personagem.
Essa mudança pode ser caracterizada como:
a) encontro com o passado e superação do medo do desconhecido
b) ruptura com um mundo de fantasia e aproximação com a realidade
c) supressão do ponto de vista infantil e afirmação de uma nova perspectiva
d) alteração da antiga ordem familiar e conhecimento do fenômeno da morte

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Fernando Pessoa - Atividades

O mais importante escritor modernista português foi Fernando Pessoa, famoso pela sua original capacidade de criar heterônimos, ou seja, de inventar “poetas” dotados de autenticidade e total independência. É como se o poeta se desdobrasse em vários outros. Esse desdobramento permite expressar diferentes maneiras de interpretar o mundo. 
A invenção da heteronímia pessoana constitui mais uma das manifestações artísticas que põem o passado abaixo e inaugura maneiras nunca imaginadas de criação artística. 

Leia um trecho de um poema de Álvaro de Campos, o heterônimo de Fernando Pessoa que representa o mundo moderno. 
[...] Maravilhosa vida marítima moderna, 
Toda limpeza, máquinas e saúde! 
Tudo tão bem arranjado, tão espontaneamente ajustado, 
Todas as peças das máquinas, todos os navios pelos mares, 
Todos os elementos da atividade comercial de exportação e importação 
Tão maravilhosamente combinando-se 
Que corre tudo como se fosse por leis naturais, 
Nenhuma coisa esbarrando com outra! 

Nada perdeu a poesia. E agora há a mais as máquinas 
Com a sua poesia também, e todo o novo gênero de vida 
Comercial, mundana, intelectual, sentimental, [...] 

Os portos cheios de vapores de muitas espécies! 
Pequenos, grandes, de várias cores, com várias disposições de vigias, 
De tão deliciosamente tantas companhias de navegação! [...] 

A mistura de gente a bordo dos navios de passageiros 
Dá-me o orgulho moderno de viver numa época onde é tão fácil 
Misturarem-se as raças, transporem-se os espaços, ver com facilidade todas as coisas,
E gozar a vida realizando um grande número de sonhos. [...] 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pp. 332 - 33.

1. A que o eu lírico atribui a beleza extraordinária da vida marítima?

2. Pode-se afirmar que, de acordo com o eu lírico, os tempos modernos nada subtraíram da vida humana? Justifique sua resposta. 

3. O eu lírico manifesta uma visão muito positiva em relação aos prazeres oferecidos pelos tempos modernos? Justifique sua resposta com uma passagem do texto. 

4. De um lado, as opiniões do eu lírico são baseadas numa visão objetiva da realidade; de outro, algumas interpretações são produto de crenças divulgadas pelo Futurismo. 

a) Identifique uma percepção objetiva do eu lírico em relação à vida moderna. 
b) Identifique uma interpretação que pode ser considerada produto das ideias futuristas.

Álvaro de Campos: um homem perturbado.

O processo de composição da heteronímia pessoana é tão sofisticado que inclui até mesmo a criação de biografia para esses seres inventados. Álvaro de Campos, o poeta-engenheiro, é descrito como um tipo moderno de judeu português, alto, elegante, acostumado com o ritmo das grandes cidades europeias. Formou-se em Engenharia Naval, em Glasgow, e escreve quando está inativo em Portugal. Participou do lançamento da revista Orpheu com o poema Opiário. Álvaro de Campos, como cada um dos heterônimos, é completamente diferente do criador Fernando Pessoa e apresenta uma visão particular sobre a realidade. 
É um homem perturbado que exteriorizou um dos mais significativos paradoxos da vida do século XX: a crença desmedida e a desilusão com o progresso científico e tecnológico. Por isso, tratou em seus versos da euforia e da depressão, da fé na ciência e da descrença numa vida equilibrada; cantou a vida frenética das multidões e o vazio da solidão; em síntese, soube identificar contradições experimentadas pelo homem de seu tempo.

Leia uns versos em que Álvaro de Campos confessa intenso sofrimento. 

[...] Estou só, só como ninguém ainda esteve, 
Oco dentro de mim, sem depois nem antes. 
Parece que passam sem ver-me os instantes, 
Mas passam sem que o seu passo seja leve. 

Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li. 
Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir. 
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir 
É tudo uma coisa como qualquer coisa que já vi. 

Não ser nada, ser uma figura de romance, 
Sem vida, sem morte material, uma ideia, 
Qualquer coisa que nada tomasse útil ou feia, 
Uma sombra num chão irreal, um sonho num transe. 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 356

5. Na segunda estrofe, o poeta declara a derrota de suas tentativas de aliviar a dor, antes mesmo de realizá-las. Essa atitude revela a: 

a) profunda descrença em si mesmo. 
b) certeza de que não há consolo para sua dor. 
c) real intenção de entregar-se ao sofrimento. 

6. A linguagem de Álvaro de Campos é marcada comumente por figuras de linguagem que traduzem intensamente os sentimentos do poeta. Identifique a figura de linguagem que caracteriza a construção dos seguintes versos: 

a) "Estou só, só como ninguém ainda esteve" 
b) "O sonho pesa-me antes de o ter." 
Abaixo as ilusões 

A perturbação, em Álvaro de Campos, não provoca a inconsciência, a perda da lucidez. Ao contrário, é um poeta que analisa agudamente tanto o mundo como a si mesmo. 
O resultado dessa análise é a percepção do quanto ele se distingue dos demais seres humanos.

Leia alguns versos de Tabacaria, de Álvaro de Campos, em que o eu lírico, olhando de uma janela, e vendo o movimento de carros e pessoas numa rua, repara especialmente numa tabacaria. Nela entra e sai muita gente e, seguindo o que acontece nesse cenário, o eu lírico entrega-se a reflexões. 

[...] Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Gênio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu, 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. [...] 

Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; 
Mas acordamos e ele é opaco, 
Levantamo-nos e ele é alheio, 
Saímos de casa e ele é a terra inteira, 
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. 

(Come chocolates, pequena: 
Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. 
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. 
Come, pequena suja, come! 
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! 
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, 
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) [...] 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pp. 363-364. 

7. O eu lírico acredita que suas reflexões são comuns a todos seres humanos. Que reflexões são essas, apresentadas nos sete primeiros versos transcritos? 

8. O poema estabelece oposição entre "Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama" e "Mas acordamos e ele é opaco". Essa oposição pode ser entendida como contraste entre: 

a) o mundo plenamente compreensível e o mundo confuso dos sonhos. 
b) a pretensão humana de compreensão do mundo e a constatação de que esse desejo é mera ilusão. 
c) a capacidade de realizar sonhos e a constatação de que esses sonhos realizados não satisfazem.

9. Numa atmosfera de incertezas e frustrações, o eu lírico se depara com uma criança e dirige-se a ela de modo exclamativo; "(Come chocolates, pequena: / Come chocolates!". Com essas frases, o eu lírico incentiva a criança a: 

a) desfrutar prazeres de maneira espontânea. 
b) fugir dos problemas que ela já conhece. 
c) desprezar as pessoas que sofrem com desilusões da existência. 
d) encarar a vida de maneira irresponsável. 

10. O eu lírico declara: "Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria" e "Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates". Nessas frases, o eu lírico refere-se a duas maneiras de explicar a realidade. 

a) Quais são elas?   
b) O eu lírico acredita na validade dessas explicações? 

11. Ainda dirigindo-se à criança, o eu lírico lamenta-se: "Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!". Por que o eu lírico é incapaz de agir como a criança? 

O melhor é não pensar! 

Ao contrário do espírito de Álvaro de Campos, sempre agitado pelo prazer ou pela dor de existir, Fernando Pessoa cria o heterônimo Alberto Caeiro. Trata-se de um camponês de olhos azuis, queimado de sol, de quase nenhuma cultura, de alma livre, que propõe a observação atenta e cuidadosa da realidade tal como se apresenta em cada instante. Seus poemas do livro O guardador de rebanhos enfatizam a necessidade de o homem voltar-se para a natureza e cumprir calmamente seu destino . 

Alberto Caeiro, embora seja contrário a toda filosofia ou religião, elaborou um método original de viver e pôr fim às angústias humanas: a anulação do pensamento. De acordo com o poeta, o pensamento deturpa a realidade, produzindo enganos e somente os sentidos, livres de interpretações mentais, nos põem em verdadeiro contato com a natureza. 

Leia um poema de O guardador de rebanhos, em que o eu lírico apresenta suas ideias. 

O meu olhar é nítido como um girassol. 
Tenho o costume de andar pelas estradas 
Olhando para a direita e para a esquerda, 
E de vez em quando olhando para trás... 
E o que vejo a cada momento 
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, 
E eu sei dar por isso muito bem... 
Sei ter o pasmo essencial 
Que tem uma criança se, ao nascer, 
Reparasse que nascera deveras... 
Sinto-me nascido a cada momento 
Para a eterna novidade do Mundo... 

Creio no mundo como num malmequer, 
Porque o vejo. Mas não penso nele 
Porque pensar é não compreender... 
O Mundo não se fez para pensarmos nele 
(Pensar é estar doente dos olhos) 
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... 
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, 
Mas porque a amo, e amo-a por isso, 
Porque quem ama nunca sabe o que ama 
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... 

Amar é a eterna inocência, 
E a única inocência não pensar... 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pp. 204-205. 

12. O eu lírico afirma que anda pelas estradas sempre olhando atentamente em todas as direções. 

a) O que esse olhar cuidadoso oferece a ele? 
b) Transcreva dois versos consecutivos que justifiquem a resposta dada ao item anterior. 

13. Para expressar as intensas sensações que experimenta com seu olhar rigorosamente concentrado no que vê, o eu lírico estabelece uma comparação. 

a) Que comparação é essa?
b) A comparação presente no poema é surpreendente e sugere emoções em estado puro, que não são retidas pela memória. Dessa maneira, essa comparação reforça que ideia? 
Os sentidos decifram o mundo 

Com a afirmação "Pensar é estar doente dos olhos" Alberto Caeiro reafirma a tese de que as interpretações de todo o tipo, por criarem imagens, simulações da realidade, distanciam o homem da natureza e o tornam infeliz. O poeta aconselha que abandonemos a civilização e retornemos a uma espécie de "paraíso perdido", quando o homem estabelecia contato direto com a natureza, sem representar suas experiências por sons, desenhos, palavras ou pensamentos. 
Para conhecer melhor as teses de Alberto Caeiro, leia os versos a seguir. 

O que nós vemos das cousas são as cousas. 
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? 
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos 
Se ver e ouvir são ver e ouvir? 

O essencial é saber ver, 
Saber ver sem estar a pensar, 
Saber ver quando se vê, 
E nem pensar quando se vê 
Nem ver quando se pensa. 

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), 
Isso exige um estudo profundo, 
Uma aprendizagem de desaprender [...] 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 217. 

14. A segunda estrofe responde às perguntas que iniciam o poema. Que ideia essa resposta enfatiza? 

15. Na terceira estrofe, o eu lírico utiliza uma metáfora para explicar por que é difícil que o ser humano consiga "ver sem estar a pensar". 

a) Que metáfora é essa?  
b) Esclareça o sentido dessa metáfora. 

Para responder à questão 16, leia o poema a seguir. 

Olá, guardador de rebanhos, 
Aí à beira da estrada, 
Que te diz o vento que passa? 

Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?

Muita causa mais do que isso. 
Fala-me de muitas outras cousas. 
De memórias e de saudades 
E de causas que nunca foram. 

Nunca ouviste passar o vento. 
O vento só fala do vento. 
O que lhe ouviste foi mentira, 
E a mentira está em ti. 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 213. 

16. Por meio de uma conversa, o eu lírico, na figura de "guardador de rebanhos", julga que a interpretação de seu interlocutor é equivocada. Explique em que consiste esse equívoco. 

Leia os versos transcritos a seguir para responder à questão 17.   

O luar através dos altos ramos, 
Dizem os poetas todos que ele é mais 
Que o luar através dos altos ramos. 

Mas para mim, que não sei o que penso, 
O que o luar através dos altos ramos 
E, além de ser 
O luar através dos altos ramos, 
É não ser mais 
Que o luar através dos altos ramos. 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 222. 

17. Explique qual a função da repetição insistente, presente nesses versos. 
O caminho do meio é mais seguro 

Ricardo Reis, outro heterônimo inventado por Fernando Pessoa, é médico, defensor da monarquia e mudou-se para o Brasil quando Portugal se tornou uma República. É amante da literatura clássica, não apenas lê, mas esforça-se por colocar em prática principalmente os ensinamentos de Horácio, Platão e Epicuro. Cultua os deuses da Antiguidade e aceita as lições de vida do Cristianismo. Como se percebe, esse heterônimo não é radical, busca inspiração nos ensinamentos pagãos e cristãos, porque lhe interessa encontrar respostas sensatas e equilibradas para suas reflexões. 

A poesia de Ricardo Reis assume um tom solene, sério, que mostra o comedimento das emoções, sempre analisadas com a frieza de raciocínio. Não há derramamentos emocionais, ao contrário do que ocorre na poesia de Álvaro de Campos. Ricardo Reis identifica-se em parte com a tranquilidade de Alberto Caeiro, mas não chega a ser tão drástico a ponto de sugerir a anulação do pensamento. Evita as atitudes exageradas, os sentimentos extremos, adotando o pensamento aristotélico de que a virtude está no equilíbrio, na moderação. Tentando descobrir a justa medida para as suas sensações, Ricardo Reis produz uma poesia plena de ensinamentos, que lembra em parte os textos do Arcadismo.

Leia os versos de Ricardo Reis em que o poeta se dirige a sua amada, Lídia. 

[...] Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. 
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos 
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. 
(Enlacemos as mãos.) 

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida 
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, 
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, 
Mais longe que os deuses. 

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. 
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. 
Mais vale saber passar silenciosamente [...]. 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: ova Aguilar, 1986, p. 256. 

18. O eu lírico trata o tema da passagem do tempo de maneira: 

a) atormentada, pois sabe que nada resiste a sua ação. 
b) apreensiva, porque tem urgência de usufruir dos prazeres terrenos. 
c) resignada, já que aceita a impossibilidade humana de interferir no fluir do tempo. 

19. Como quase tudo que escreveu Ricardo Reis, esses versos encerram um aconselhamento para melhor aproveitar a vida. 

a) O que o eu lírico aconselha? 
b) Justifique a resposta dada ao item anterior com uma passagem do texto.  . 
  
20. Estes versos de Ricardo Reis têm tom professoral, já que encerram aconselhamentos. Identifique ao menos dois conselhos presentes nestes trechos. 

Trecho I 

[...] Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. 
Não florescem no inverno os arvoredos, 
Nem pela primavera 
Têm branco frio os campos. [...] 

Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguílar, 1986, p. 260. 

Trecho II

[...] Segue o teu destino, 
Rega as tuas plantas, 
Ama as tuas rosas. 
O resto é a sombra 
De árvores alheias. [...] 

Fernando Pessoa. Idem, p. 270. 

Trecho III

[...] Para ser grande, sê inteiro: nada 
Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és 
No mínimo que fazes. [...] 

Fernando Pessoa. Idem, p. 289. 


O novo poeta da pátria portuguesa 

Os vários heterônimos de Fernando Pessoa, com suas visões particulares, refletem múltiplas possibilidades de compreender o mundo e mostram a complexidade do espírito humano. Os heterônimos podem ser entendidos como faces da personalidade de Fernando Pessoa, que se misturam, se contradizem e dão fim à ideia de que pudéssemos ser um bloco monolítico, uniforme, coeso, harmônico, decifrável. 
O criador dessas almas tão diferentes entre si também assinou uma importante obra como Fernando Pessoa. Trata-se de Mensagem, longo poema de saudação à pátria portuguesa. Esse poema épico moderno é dividido em três partes: "O brasão""Mar português" e "O encoberto". Na primeira, inspirado nas partes que compõem o brasão da nobreza portuguesa, o poeta conta a formação do Estado português; a segunda parte é dedicada à conquista do mar; e a terceira trata do declínio da nação e da previsão do renascimento da grandeza lusitana. 
A obra Mensagem, publicada em 1934, foi escrita durante 21 anos. É com esse cuidado extremado que Fernando Pessoa trata da história e do espírito de Portugal, estabelecendo algumas vezes diálogo com a maior epopeia lusitana, Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões. 
Na segunda parte, por exemplo, alguns versos dialogam com o episódio "O velho do Restelo", de Os Lusíadas. Para aquele enérgico velho que assiste à partida das naus no século XV, não valiam a pena os sofrimentos causados por mortes, graves ferimentos e desaparecimento de centenas de portugueses que se arriscavam no mar. Entretanto, para Fernando Pessoa, todos os padecimentos foram recompensados pela dominação dos mares por Portugal, na época. 
Leia estes versos da segunda parte de Mensagem que fazem lembrar Os Lusíadas, de Camões.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa. In Obra poética (com atualização ortográfica) Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p.82

21. Explique o que pretende representar a imagem hiperbólica presente nos versos “Ó mar salgado, quando do teu sal / São lágrimas de Portugal!”?

22. Na avaliação que o poeta faz a respeito da conquista dos mares, o saldo é positivo, como se lê em “Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena”. De acordo com os versos da segunda estrofe, por eu se pode afirmar que os portugueses não têm alma?

Para responder ás questões a seguir, leia os versos finais de Mensagem, em que Fernando Pessoa mais uma vez dialoga com Camões.

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço de terra
Que é Portugal a entristecer [...]

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é o mal nem o que é o bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora! [...]

Fernando Pessoa. In Obra poética (com atualização ortográfica) Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p.89.

23. Como o poeta caracteriza Portugal nos versos finais de Mensagem?

24. Identifique no texto uma metáfora, referente ao Portugal, e explique seu sentido simbólico.

25. Compare o verso final de Mensagem – “É a Hora” – aos versos de “O epílogo” de Os Lusíadas, transcritos a seguir.

[...] No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
De huã austera, apagada e vil tristeza. [...]

Luís de Camões. Os Lusíadas. Porto: Porto Editora,p.335.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Questões terceira fase do Modernismo Brasileiro _Guimarães Rosa e clarice lispector - Com gabarito


1) (Fuvest, 2012) Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: faziase contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. (…)
E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos (Aluísio Azevedo, O cortiço.)

Destes comentários sobre os trechos sublinhados (negritados), o único que está correto é:
a) “tragava dois dedos de parati” (L. 3): expressão típica da variedade linguística predominante no discurso do narrador.
b) “‘pra cortar a friagem’” (L. 3 e 4): essa expressão está entre aspas, no texto, para indicar que se trata do uso do discurso indireto livre.
c) “patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos” (L. 10 e 11): assume o sentido de “registravam oficialmente”.
d) “posto que em detrimento das suas forças físicas” (L. 26 e 27): equivale, quanto ao sentido, a “desde que em favor”.
e) “tornava-se (…) imprevidente” (L. 13 e 14) e “resignando-se (…) às imposições do sol” (L. 16 e 17): trata-se do mesmo prefixo, apresentando, portanto, idêntico sentido.

2) (Fuvest, 2012)
“Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: faziase contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. (…)
E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos” (Aluísio Azevedo, O cortiço.)

No trecho “dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante”, o narrador tem como referência
a) a Chapada dos Guimarães, anteriormente coberta por vegetação de cerrado.
b) os desfiladeiros de Itaimbezinho, outrora revestidos por exuberante floresta tropical.|
c) a Chapada Diamantina, então coberta por florestas de araucárias.
d) a Serra do Mar, que abrigava originalmente a densa Mata Atlântica.
e) a Serra da Borborema, caracterizada, no passado, pela vegetação da caatinga.

3) (CEFET-PR) Sobre os contos de Sagarana é INCORRETO afirmar:
a) A volta do marido pródigo demonstra, no comportamento do protagonista, o poder criador da palavra, dimensão da linguagem tão apreciada por Guimarães Rosa.
b) Tanto em Corpo fechado quanto em Minha gente o espaço é variado, deslocando-se a ação de um lugar para outro.
c) Em Duelo e Sarapalha figuram personagens femininas cujos traços não aparecem nas mulheres de outros contos.
d) O burrinho pedrês, Conversa de bois e São Marcos trabalham com a mudança de narradores.
e) A hora e a vez de Augusto Matraga não apresenta a inserção de casos ou narrativas secundárias.

4) (UPF) Nos contos de Sagarana, Guimarães Rosa resgata, principalmente, o imaginário e a cultura:
a) da elite nacional
b) dos proletários urbanos
c) dos povos indígenas
d) dos malandros de subúrbio
e) da gente rústica do interior

5) (CEFET-PR) Sobre os contos de Sagarana é INCORRETO afirmar:
A) A volta do marido pródigo demonstra, no comportamento do protagonista, o poder criador da palavra, dimensão da linguagem tão apreciada por Guimarães Rosa.
B) Tanto em Corpo fechado quanto em Minha gente o espaço é variado, deslocando-se a ação de um lugar para outro.
C) Em Duelo e Sarapalha figuram personagens femininas cujos traços não aparecem nas mulheres de outros contos.
D) O burrinho pedrês, Conversa de bois e São Marcos trabalham com a mudança de narradores.
E) A hora e a vez de Augusto Matraga não apresenta a inserção de casos ou narrativas secundárias.

6) (FUVEST) Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:
— E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?
— Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de idéia.
— E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
— Macabéa.
— Maca — o quê?
— Bea, foi ela obrigada a completar.
— Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome ue nin uém tem mas arece ue deu certo — arou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor — pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...
— Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande divida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
— Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
Da segunda vez em que se encontraram caia uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo. (Clarice Lispector, A hora da estrela)

Ao dizer: "(..) promessa é questão de grande dívida de honra", Olímpico junta, em urna só afirmação, a obrigação religiosa e o dever de honra. A personagem de Sagarana que, em suas ações finais, opera uma junção semelhante é:
A) Major Saulo, de O burrinho pedrês.
B) Lalino, de Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo.
C) Primo Ribeiro, de Sarapalha.
D) João Mangolô, de São Marcos.
E) Augusto Matraga, de A hora e vez de Augusto Matraga.

7) (UEL) O trabalho com a linguagem por meio da recriação de palavras e a descrição minuciosa da natureza, em especial da fauna e da flora, são uma constante na obra de João Guimarães Rosa. Esses elementos são recursos estéticos importantes que contribuem para integrar as personagens aos ambientes onde vivem, estabelecendo relações entre natureza e cultura. Em Sarapalha, conto inserido no livro Sagarana, de 1946, referências do mundo natural são usadas para representar o estado febril de Primo Argemiro.
Com base nessa afirmação, assinale a alternativa em que a descrição da natureza mostra o efeito da maleita sobre a personagem Argemiro:
A) “É aqui, perto do vau da Sarapalha: tem uma fazenda, denegrida e desmantelada; uma cerca de pedra seca, do tempo de escravos; um rego murcho, um moinho parado; um cedro alto, na frente da casa; e, lá dentro uma negra, já velha, que capina e cozinha o feijão.”
B) “Olha o rio, vendo a cerração se desmanchar. Do colmado dos juncos, se estira o vôo de uma garça, em direção à mata. Também, não pode olhar muito: ficam-lhe muitas garças pulando, diante dos olhos, que doem e choram, por si sós, longo tempo.”
C) “É de-tardinha, quando as mutucas convidam as muriçocas de volta para casa, e quando o carapana mais o mossorongo cinzento se recolhem, que ele aparece, o pernilongo pampa, de pés de prata e asas de xadrez.”
D) “Estava olhando assim esquecido, para os olhos... olhos grandes escuros e meio de-quina, como os de uma suaçuapara... para a boquinha vermelha, como flor de suinã....”
E) “O cachorro está desatinado. Pára. Vai, volta, olha, desolha... Não entende. Mas sabe que está acontecendo alguma coisa. Latindo, choramingando, chorando, quase uivando.”


8) (PUC-SP) O conto Conversa de bois integra a obra Sagarana, de João Guimarães Rosa. De seu enredo como um todo, pode afirmar-se que:
A) os animais justiceiros, puxando um carro, fazem uma viagem que começa com o transporte de uma carga de rapadura e um defunto e termina com dois.
B) a viagem é tranqüila e nenhum incidente ocorre ao longo da jornada, nem com os bois nem com os carreiros.
C) os bois conversam entre si e são compreendidos apenas por Tiãozinho, guia mirim dos animais e que se torna cúmplice do episódio final da narrativa.
D) a presença do mítico-lendário se dá na figura da irara, “tão séria e moça e graciosa, que se fosse mulher só se chamaria Risoleta” e que acompanha a viagem, escondida, até à cidade.
E) a linguagem narrativa é objetiva e direta e, no limite, desprovida de poesia e de sensações sonoras e coloridas.

9) (Enem - 2011)
“Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por que é que você não cria galinhas-d‘angola, como todo o mundo faz? — Quero criar nada não... — me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. [...] Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra. [...] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe.” (ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio (fragmento).)

Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros. No texto, destaca-se essa relação porque o personagem-narrador
a) relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho.
b) descreve o processo de transformação de um meeiro — espécie de agregado — em proprietário de terra.
c) denuncia a falta de compromisso e a desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra.
d) mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente.
e) mantém o distanciamento narrativo condizente com sua posição social, de proprietário de terras.

10) — Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.
*Nonada: pode-se traduzir o significado de “nonada” como se o signo fosse um nome: “o nada”, “coisa alguma”; como um pronome substantivo: “nada”; como um advérbio: “em lugar algum”, “em parte alguma”, “no nada”; como uma predicação: “algo não é coisa alguma”, “isso é nada”, “algo é no nada”, “algo é nada”.
Acompanhado dos chefes-de-turma ― que ele dava patente de serem seus sotenentes e oficiais de seu terço ― Zé Bebelo, montado num formudo ruço-pombo e com um chapéu distintíssimo na cabeça, repassava daqui p’r’ali, eguando bem, vistoriava.
*Formudo: formudo = formoso + sufixo de grau 3 aumentativo de adjetivo –udo.

Os fragmentos que você leu acima fazem parte do romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. A partir da leitura dos trechos, é possível observar uma grande característica da linguagem desse escritor:
a) uso constante de figuras de sintaxe.
b) emprego de empréstimos linguísticos.
c) uso constante de figuras de linguagem.
d) gosto pelos neologismos semânticos e sintáticos.

11) (PUCCAMP)   Leia o seguinte trecho de Guimarães Rosa:

"E desse modo ele se doeu no enxergão, muitos meses, porque os ossos tomavam tempo para se ajuntar, e a fratura exposta criara bicheira. Mas os pretos cuidavam muito dele, não arrefecendo na dedicação.
– Se eu pudesse ao menos ter absolvição dos meus pecados!...
Então eles trouxeram, uma noite, muito à escondida, o padre que o confessou e conversou com ele, muito tempo, dando-lhe conselhos que o faziam chorar.
– Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade que fiz, e tendo nas costas tanto pecado mortal?
– Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo do pé de arrependimento nenhum...
E por aí a fora foi, com um sermão comprido, que acabou depondo o doente num desvencido torpor."
 O trecho acima representa a seguinte possibilidade entre os caminhos da literatura contemporânea.

a) ficção regionalista, em que se reelabora o gênero e se revaloriza um universo cultural localizado.
b) narrativa de cunho jornalístico, em que a linguagem comunicativa retoma e reinterpreta fatos da história recente.
c) ficção de natureza politizante, em que se dramatizam as condições de classes entre os protagonistas.
d) prosa intimista, psicologizante, em que o narrador expõe e analisa os movimentos da consciência reflexiva.
e) prosa de experimentação formal, em que a pesquisa linguística torna secundária a trama narrativa.

12)Sobre as características da prosa de Guimarães Rosa, é correto afirmar:

I. Observa-se o tratamento estético dado à matéria-prima da literatura: a palavra. Para Guimarães Rosa, a forma, o metro e o ritmo são elementos indispensáveis às suas narrativas.
II. A linguagem de Guimarães Rosa é permeada por neologismos, arcaísmos e pela exploração sonora, sintática e semântica do português.
III. Uma das principais características da obra de Guimarães Rosa é a reflexão sobre a criação artística. Para o escritor, a poesia é fruto de um trabalho árduo, racional, que implica fazer e desfazer o texto até que ele alcance a sua forma mais adequada.
IV. O escritor apresenta momentos de intenso intimismo, apresentados por meio de uma linguagem elevada e abstrata e com imagens recorrentes, retomando assim os ideais dos escritores simbolistas.

a) Todas estão corretas.              b) Apenas II está correta.            c) I, III e IV estão corretas.          d) I e II estão corretas.

14)Tudo o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra. Vejo pouco, ouço quase nada. Mergulho enfim em mim até o nascedouro do espírito que me habita. Minha nascente é obscura. Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O corpo informa muito. Mas eu desconheço as leis do espírito: ele vagueia. Meu pensamento, com a enunciação das palavras mentalmente brotando, sem depois eu falar ou escrever – esse meu pensamento de palavras é precedido por uma instantânea visão sem palavras, do pensamento – palavra que se seguirá, quase imediatamente – diferença espacial de menos de um milímetro. Antes de pensar, pois, eu já pensei.(Clarice Lispector. Um sopro de vida.)

Assinale a opção que corresponde, no trecho, ao pensamento de Clarice Lispector sobre a criação literária.
a) A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus.
b) Não colhas no chão o poema que se perdeu.
c) Vozes da infância, contai a história da vida boa que nunca veio.
d) Pensar é a concretização, materialização do que se pré-pensou.
e) O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.

15)O modo de Clarice Lispector ver a criação literária guarda relação com o momento histórico em que ela escreve. Em outros momentos históricos, outras relações ocorreram.

 Assinale a opção correta.
a) O Modernismo relaciona-se com um modo de escrever que pretende discutir a criação literária e produzir a simplicidade e a métrica do pastoralismo.
b) O Neoclassicismo relaciona-se com um modo de escrever que reproduz a arte barroca tal como ela era.
c) O Realismo relaciona-se com um modo de escrever que se caracteriza pela musicalidade, pela sinestesia e pelas aliterações.
d) O Simbolismo relaciona-se com um modo de escrever que apresenta a realidade tal como ela é.
e) O Romantismo relaciona-se com um modo de escrever que adota a estética da expressão do eu autoral.

16)Assinale a alternativa incorreta sobre Clarice Lispector.

a) Clarice Lispector pertence à terceira fase do Modernismo e trabalha com a prosa psicológica.
b) Nos contos da autora, os personagens têm poucas ações.
c) No nível da linguagem, percebe-se certa preocupação com a revalorização das palavras, dando-lhes uma roupagem nova.
d) A autora desenvolve um enredo rico em episódios de ação externa.
e) Sua obra apresenta como principal sustentáculo o questionamento do ser, o “estar-no-mundo”, o intimismo e a pesquisa do ser humano.

17) “Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons dias e as boas tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. ‘Perdoe alguma palavra mal dita’, dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, gaguejar — perturbado em ser o bom genro. ‘Se eu rio, eles pensam que estou louca’, pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. ‘Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um’, acrescentara a mãe […].” (LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 109-111.)
Com base no texto, é correto afirmar que Catarina:
a) Sente um certo tédio por ser obrigada a participar do episódio de despedida de sua mãe.
b) Diverte-se observando o constrangimento do marido e da mãe no episódio da despedida.
c) Embora ansiasse pela partida da visitante, sente muita tristeza ao final da visita da mãe.
d) Certifica-se de que a mãe e o marido, para sua tristeza, jamais poderiam manter um bom relacionamento.
e) Compartilha do sofrimento vivenciado pela mãe e pelo marido na hora em que se despedem.



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Atividade de interpretação de texto para o 1º ano 20/02/2020

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