Este blog é um espaço reservado para todas as questões e vertentes de vestibular na disciplina de Língua Portuguesa em todas as frentes: Literatura, Gramática e Redação. Sou professor de Língua Portuguesa e Inglês com formação em Letras pela PUC-SP, Especialista em Literatura e com Pós-graduação em Leitura e Produção de Texto na Loyola University Chicago. Escritor dos livros: "A divina tragicomédia humana" e "A cabeça do objeto". .
sexta-feira, 27 de setembro de 2019
quarta-feira, 25 de setembro de 2019
Guimarães Rosa - Fita verde no cabelo
FITA VERDE NO CABELO
- Nova velha estória de João Guimarães Rosa
Havia uma aldeia em algum lugar,
nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que
esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo,
suficientemente, menos meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de
lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e
um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde
partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em
calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o
bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum,
desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então,
ela, mesma, era quem se dizia: –“Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde
no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá,
depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não
vê que não são. E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e
longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra
também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não
voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com
ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns,
quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejamente.
Demorou, para dar com a avó em
casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: — “Quem é?”.
–“Sou
eu…” — e Fita-Verde descansou a voz. — “Sou sua linda netinha, com cesto e
pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou”.
Vai, a avó, difícil, disse: —
“Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe”. Fita-Verde
assim fez, e entrou e olhou.
A avó
estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco,
assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: — “Depõe o pote e o cesto na
arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo”. Mas agora Fita-Verde se
espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita
verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela
perguntou:
— “Vovozinha,
que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”
— “É
porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…” — a avó murmurou.
— “Vovozinha, mas que lábios, ai,
tão roxeados!”
— “É porque não não vou nunca mais
poder te beijar, minha neta…” — a avó suspirou.
— “Vovozinha,
e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?”
— “É
porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha…” — a avó ainda gemeu.
Fita-Verde
mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou:
— “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo…”
Mas a avó não estava mais lá,
sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
1. Guimarães Rosa é conhecido por criar neologismos
(palavras inventadas) cite os neologismos presentes neste conto e dê o
significado de acordo com o contexto.
2. O conto reafirma ou transforma o conto original? De que
forma?
3. Descreva o que significam na história:
a) a fita verde no cabelo
b) o pote e o cesto
c) o caminho encurtoso
d) os lenhadores
e) a vovozinha
f) o lobo
4. O conto recria a tradicional história de Chapeuzinho
Vermelho, citando suas marcas mais conhecidas e refazendo seu sentido original.
Distanciando-se, ainda, da história conhecida, o narrador faz questão de
assinalar o caráter ficcional da narrativa.
Esse procedimento, de apontar a própria narrativa como
produto da ficção, explicita-se na seguinte passagem:
a) "Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó,
que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia."
b) "Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os
lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem
peludo."
c) "A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele
moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não
são."
d) "Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe
respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:"
5. "Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se
de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava
suada, com enorme fome de almoço."
Pela leitura global do conto, é possível afirmar que essa
passagem implica uma mudança para a personagem.
Essa mudança pode ser caracterizada como:
a) encontro com o passado e superação do medo do
desconhecido
b) ruptura com um mundo de fantasia e aproximação com a
realidade
c) supressão do ponto de vista infantil e afirmação de uma
nova perspectiva
d) alteração da antiga ordem familiar e conhecimento do
fenômeno da morte
sexta-feira, 20 de setembro de 2019
Fernando Pessoa - Atividades
O mais importante escritor modernista português foi
Fernando Pessoa, famoso pela sua original capacidade de criar heterônimos, ou
seja, de inventar “poetas” dotados de autenticidade e total independência. É
como se o poeta se desdobrasse em vários outros. Esse desdobramento permite
expressar diferentes maneiras de interpretar o mundo.
A invenção da heteronímia pessoana constitui mais
uma das manifestações artísticas que põem o passado abaixo e inaugura maneiras
nunca imaginadas de criação artística.
Leia um trecho de um poema de Álvaro de Campos, o heterônimo de Fernando Pessoa que representa o mundo moderno.
[...] Maravilhosa vida marítima moderna,
Toda limpeza, máquinas e saúde!
Tudo tão bem arranjado, tão espontaneamente
ajustado,
Todas as peças das máquinas, todos os navios pelos
mares,
Todos os elementos da atividade comercial de
exportação e importação
Tão maravilhosamente combinando-se
Que corre tudo como se fosse por leis
naturais,
Nenhuma coisa esbarrando com outra!
Nada perdeu a poesia. E agora há a mais as
máquinas
Com a sua poesia também, e todo o novo gênero de
vida
Comercial, mundana, intelectual, sentimental,
[...]
Os portos cheios de vapores de muitas
espécies!
Pequenos, grandes, de várias cores, com várias
disposições de vigias,
De tão deliciosamente tantas companhias de
navegação! [...]
A mistura de gente a bordo dos navios de
passageiros
Dá-me o orgulho moderno de viver numa época onde é
tão fácil
Misturarem-se as raças, transporem-se os espaços,
ver com facilidade todas as coisas,
E gozar a vida realizando um grande número de
sonhos. [...]
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pp. 332 - 33.
1. A
que o eu lírico atribui a beleza extraordinária da vida marítima?
2. Pode-se
afirmar que, de acordo com o eu lírico, os tempos modernos nada subtraíram da
vida humana? Justifique sua resposta.
3. O
eu lírico manifesta uma visão muito positiva em relação aos prazeres oferecidos
pelos tempos modernos? Justifique sua resposta com uma passagem do texto.
4. De
um lado, as opiniões do eu lírico são baseadas numa visão objetiva da
realidade; de outro, algumas interpretações são produto de crenças divulgadas
pelo Futurismo.
a) Identifique
uma percepção objetiva do eu lírico em relação à vida moderna.
Álvaro de Campos: um homem perturbado.
O processo de composição da heteronímia pessoana é
tão sofisticado que inclui até mesmo a criação de biografia para esses seres
inventados. Álvaro de Campos, o poeta-engenheiro, é descrito como um tipo
moderno de judeu português, alto, elegante, acostumado com o ritmo das grandes
cidades europeias. Formou-se em Engenharia Naval, em Glasgow, e escreve quando
está inativo em Portugal. Participou do lançamento da revista Orpheu com
o poema Opiário. Álvaro de Campos, como cada um dos heterônimos, é
completamente diferente do criador Fernando Pessoa e apresenta uma visão particular
sobre a realidade.
É um homem perturbado que exteriorizou um dos mais
significativos paradoxos da vida do século XX: a crença desmedida e a desilusão
com o progresso científico e tecnológico. Por isso, tratou em seus versos da
euforia e da depressão, da fé na ciência e da descrença numa vida equilibrada;
cantou a vida frenética das multidões e o vazio da solidão; em síntese, soube
identificar contradições experimentadas pelo homem de seu tempo.
Leia uns versos em que Álvaro de Campos confessa intenso
sofrimento.
[...] Estou só, só como ninguém ainda esteve,
Oco dentro de mim, sem depois nem antes.
Parece que passam sem ver-me os instantes,
Mas passam sem que o seu passo seja leve.
Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li.
Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir
É tudo uma coisa como qualquer coisa que já
vi.
Não ser nada, ser uma figura de romance,
Sem vida, sem morte material, uma ideia,
Qualquer coisa que nada tomasse útil ou feia,
Uma sombra num chão irreal, um sonho num
transe.
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 356
5. Na
segunda estrofe, o poeta declara a derrota de suas tentativas de aliviar a dor,
antes mesmo de realizá-las. Essa atitude revela a:
a) profunda
descrença em si mesmo.
b) certeza
de que não há consolo para sua dor.
c) real
intenção de entregar-se ao sofrimento.
6. A
linguagem de Álvaro de Campos é marcada comumente por figuras de linguagem que
traduzem intensamente os sentimentos do poeta. Identifique a figura de
linguagem que caracteriza a construção dos seguintes versos:
a) "Estou
só, só como ninguém ainda esteve"
b) "O
sonho pesa-me antes de o ter."
Abaixo as ilusões
A perturbação, em Álvaro de Campos, não
provoca a inconsciência, a perda da lucidez. Ao contrário, é um poeta que
analisa agudamente tanto o mundo como a si mesmo.
O resultado dessa análise é a percepção do quanto
ele se distingue dos demais seres humanos.
Leia alguns versos de Tabacaria, de Álvaro de
Campos, em que o eu lírico, olhando de uma janela, e vendo o movimento de
carros e pessoas numa rua, repara especialmente numa tabacaria. Nela entra e
sai muita gente e, seguindo o que acontece nesse cenário, o eu lírico
entrega-se a reflexões.
[...] Que sei eu do que serei, eu que não sei o que
sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não
pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como
eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas
futuras. [...]
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da
cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o
Indefinido.
(Come chocolates, pequena:
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão
chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a
confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com
que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de
folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
[...]
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pp. 363-364.
7. O
eu lírico acredita que suas reflexões são comuns a todos seres humanos. Que
reflexões são essas, apresentadas nos sete primeiros versos transcritos?
8. O
poema estabelece oposição entre "Conquistamos todo o mundo antes de nos
levantar da cama" e "Mas acordamos e ele é opaco". Essa oposição
pode ser entendida como contraste entre:
a) o
mundo plenamente compreensível e o mundo confuso dos sonhos.
b) a
pretensão humana de compreensão do mundo e a constatação de que esse desejo é
mera ilusão.
c) a
capacidade de realizar sonhos e a constatação de que esses sonhos realizados
não satisfazem.
9. Numa
atmosfera de incertezas e frustrações, o eu lírico se depara com uma criança e
dirige-se a ela de modo exclamativo; "(Come chocolates, pequena: / Come
chocolates!". Com essas frases, o eu lírico incentiva a criança a:
a) desfrutar
prazeres de maneira espontânea.
b) fugir
dos problemas que ela já conhece.
c) desprezar
as pessoas que sofrem com desilusões da existência.
d) encarar
a vida de maneira irresponsável.
10. O
eu lírico declara: "Olha que as religiões todas não ensinam mais que a
confeitaria" e "Olha que não há mais metafísica no mundo senão
chocolates". Nessas frases, o eu lírico refere-se a duas maneiras de
explicar a realidade.
a) Quais
são elas?
b) O
eu lírico acredita na validade dessas explicações?
11. Ainda
dirigindo-se à criança, o eu lírico lamenta-se: "Pudesse eu comer
chocolates com a mesma verdade com que comes!". Por que o eu lírico é
incapaz de agir como a criança?
O melhor é não pensar!
Ao contrário do espírito de Álvaro de Campos,
sempre agitado pelo prazer ou pela dor de existir, Fernando Pessoa cria o
heterônimo Alberto Caeiro. Trata-se de um camponês de olhos azuis, queimado de
sol, de quase nenhuma cultura, de alma livre, que propõe a observação atenta e
cuidadosa da realidade tal como se apresenta em cada instante. Seus poemas do
livro O guardador de rebanhos enfatizam a necessidade de o
homem voltar-se para a natureza e cumprir calmamente seu destino .
Alberto Caeiro,
embora seja contrário a toda filosofia ou religião, elaborou um método original
de viver e pôr fim às angústias humanas: a anulação do pensamento. De acordo
com o poeta, o pensamento deturpa a realidade, produzindo enganos e somente os
sentidos, livres de interpretações mentais, nos põem em verdadeiro contato com
a natureza.
Leia um poema de O guardador de rebanhos,
em que o eu lírico apresenta suas ideias.
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de
acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela
é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pp. 204-205.
12. O
eu lírico afirma que anda pelas estradas sempre olhando atentamente em todas as
direções.
a) O
que esse olhar cuidadoso oferece a ele?
b) Transcreva
dois versos consecutivos que justifiquem a resposta dada ao item
anterior.
13. Para
expressar as intensas sensações que experimenta com seu olhar rigorosamente
concentrado no que vê, o eu lírico estabelece uma comparação.
a) Que
comparação é essa?
b) A
comparação presente no poema é surpreendente e sugere emoções em estado puro,
que não são retidas pela memória. Dessa maneira, essa comparação reforça que
ideia?
Os sentidos decifram o mundo
Com a afirmação "Pensar é estar doente dos
olhos" Alberto Caeiro reafirma a tese de que as
interpretações de todo o tipo, por criarem imagens, simulações da realidade,
distanciam o homem da natureza e o tornam infeliz. O poeta aconselha que
abandonemos a civilização e retornemos a uma espécie de "paraíso
perdido", quando o homem estabelecia contato direto com a natureza, sem
representar suas experiências por sons, desenhos, palavras ou pensamentos.
Para conhecer melhor as teses de Alberto Caeiro,
leia os versos a seguir.
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse
outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma
vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender [...]
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 217.
14. A
segunda estrofe responde às perguntas que iniciam o poema. Que ideia essa
resposta enfatiza?
15. Na
terceira estrofe, o eu lírico utiliza uma metáfora para explicar por que é
difícil que o ser humano consiga "ver sem estar a pensar".
a) Que
metáfora é essa?
b) Esclareça
o sentido dessa metáfora.
Para responder à questão 16, leia o poema a
seguir.
Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?
Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?
Muita causa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de causas que nunca foram.
Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 213.
16. Por
meio de uma conversa, o eu lírico, na figura de "guardador de
rebanhos", julga que a interpretação de seu interlocutor é equivocada.
Explique em que consiste esse equívoco.
Leia os versos transcritos a seguir para responder
à questão 17.
O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.
Mas para mim, que não sei o que penso,
O que o luar através dos altos ramos
E, além de ser
O luar através dos altos ramos,
É não ser mais
Que o luar através dos altos ramos.
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 222.
17. Explique
qual a função da repetição insistente, presente nesses versos.
O caminho do meio é mais seguro
Ricardo Reis, outro
heterônimo inventado por Fernando Pessoa, é médico, defensor da monarquia e mudou-se
para o Brasil quando Portugal se tornou uma República. É amante da literatura
clássica, não apenas lê, mas esforça-se por colocar em prática principalmente
os ensinamentos de Horácio, Platão e Epicuro. Cultua os deuses da Antiguidade e
aceita as lições de vida do Cristianismo. Como se percebe, esse heterônimo não
é radical, busca inspiração nos ensinamentos pagãos e cristãos, porque lhe
interessa encontrar respostas sensatas e equilibradas para suas
reflexões.
A poesia de Ricardo Reis assume um tom solene,
sério, que mostra o comedimento das emoções, sempre analisadas com a frieza de
raciocínio. Não há derramamentos emocionais, ao contrário do que ocorre na
poesia de Álvaro de Campos. Ricardo Reis identifica-se em parte com a
tranquilidade de Alberto Caeiro, mas não chega a ser tão drástico a ponto de
sugerir a anulação do pensamento. Evita as atitudes exageradas, os sentimentos
extremos, adotando o pensamento aristotélico de que a virtude está no
equilíbrio, na moderação. Tentando descobrir a justa medida para as suas
sensações, Ricardo Reis produz uma poesia plena de ensinamentos, que lembra em
parte os textos do Arcadismo.
Leia os versos de Ricardo Reis em que o poeta se
dirige a sua amada, Lídia.
[...] Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e
aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos
enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca
regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do
Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena
cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o
rio.
Mais vale saber passar silenciosamente [...].
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: ova Aguilar, 1986, p. 256.
18. O
eu lírico trata o tema da passagem do tempo de maneira:
a) atormentada,
pois sabe que nada resiste a sua ação.
b) apreensiva,
porque tem urgência de usufruir dos prazeres terrenos.
c) resignada,
já que aceita a impossibilidade humana de interferir no fluir do tempo.
19. Como
quase tudo que escreveu Ricardo Reis, esses versos encerram um aconselhamento
para melhor aproveitar a vida.
a) O
que o eu lírico aconselha?
b) Justifique
a resposta dada ao item anterior com uma passagem do texto. .
20. Estes
versos de Ricardo Reis têm tom professoral, já que encerram aconselhamentos.
Identifique ao menos dois conselhos presentes nestes trechos.
Trecho I
[...] Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos. [...]
Fernando Pessoa. In Obra poética. Rio
de Janeiro: Nova Aguílar, 1986, p. 260.
Trecho II
[...] Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias. [...]
Fernando Pessoa. Idem, p. 270.
Trecho III
[...] Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes. [...]
Fernando Pessoa. Idem, p. 289.
O novo poeta da pátria portuguesa
Os vários heterônimos de Fernando Pessoa, com suas
visões particulares, refletem múltiplas possibilidades de compreender o mundo e
mostram a complexidade do espírito humano. Os heterônimos podem ser entendidos
como faces da personalidade de Fernando Pessoa, que se misturam, se contradizem
e dão fim à ideia de que pudéssemos ser um bloco monolítico, uniforme, coeso,
harmônico, decifrável.
O criador dessas almas tão diferentes entre si
também assinou uma importante obra como Fernando Pessoa. Trata-se de Mensagem,
longo poema de saudação à pátria portuguesa. Esse poema épico moderno é
dividido em três partes: "O brasão", "Mar
português" e "O encoberto". Na primeira,
inspirado nas partes que compõem o brasão da nobreza portuguesa, o poeta conta
a formação do Estado português; a segunda parte é dedicada à conquista do mar;
e a terceira trata do declínio da nação e da previsão do renascimento da
grandeza lusitana.
A obra Mensagem, publicada em 1934, foi
escrita durante 21 anos. É com esse cuidado extremado que Fernando Pessoa trata
da história e do espírito de Portugal, estabelecendo algumas vezes diálogo com
a maior epopeia lusitana, Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.
Na segunda parte, por exemplo, alguns versos
dialogam com o episódio "O velho do Restelo", de Os Lusíadas.
Para aquele enérgico velho que assiste à partida das naus no século XV, não
valiam a pena os sofrimentos causados por mortes, graves ferimentos e
desaparecimento de centenas de portugueses que se arriscavam no mar.
Entretanto, para Fernando Pessoa, todos os padecimentos foram recompensados
pela dominação dos mares por Portugal, na época.
Leia estes versos da segunda parte de Mensagem que fazem
lembrar Os Lusíadas, de Camões.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa. In Obra poética (com atualização
ortográfica) Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p.82
21. Explique o que pretende representar a imagem hiperbólica
presente nos versos “Ó mar salgado, quando do teu sal / São lágrimas de
Portugal!”?
22. Na avaliação que o poeta faz a respeito da conquista dos
mares, o saldo é positivo, como se lê em “Tudo vale a pena / Se a alma não é
pequena”. De acordo com os versos da segunda estrofe, por eu se pode afirmar
que os portugueses não têm alma?
Para responder ás questões a seguir, leia os versos finais
de Mensagem, em que Fernando Pessoa mais uma vez dialoga com Camões.
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço de terra
Que é Portugal a entristecer [...]
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é o mal nem o que é o bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora! [...]
Fernando Pessoa. In Obra poética (com atualização
ortográfica) Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p.89.
23. Como o poeta caracteriza Portugal nos versos finais de
Mensagem?
24. Identifique no texto uma metáfora, referente ao
Portugal, e explique seu sentido simbólico.
25. Compare o verso final de Mensagem – “É a Hora” – aos
versos de “O epílogo” de Os Lusíadas, transcritos a seguir.
[...] No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
De huã austera, apagada e vil tristeza. [...]
quarta-feira, 18 de setembro de 2019
sexta-feira, 13 de setembro de 2019
sexta-feira, 6 de setembro de 2019
Questões terceira fase do Modernismo Brasileiro _Guimarães Rosa e clarice lispector - Com gabarito
1) (Fuvest, 2012) Passaram-se semanas. Jerônimo tomava
agora, todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e
tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a
dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num
trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente:
faziase contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil
patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam;
esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades
novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais
amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e
volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor,
muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio
entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus
hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. (…)
E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e
costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em
detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a
música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à
viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança
de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos
largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz,
selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos
despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço,
surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes
e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo oriental de
arábicos príncipes voluptuosos (Aluísio Azevedo, O cortiço.)
Destes comentários sobre os trechos sublinhados
(negritados), o único que está correto é:
a) “tragava dois dedos de parati” (L. 3): expressão típica
da variedade linguística predominante no discurso do narrador.
b) “‘pra cortar a friagem’” (L. 3 e 4): essa expressão está
entre aspas, no texto, para indicar que se trata do uso do discurso indireto
livre.
c) “patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos” (L. 10 e
11): assume o sentido de “registravam oficialmente”.
d) “posto que em detrimento das suas forças físicas” (L. 26
e 27): equivale, quanto ao sentido, a “desde que em favor”.
e) “tornava-se (…) imprevidente” (L. 13 e 14) e
“resignando-se (…) às imposições do sol” (L. 16 e 17): trata-se do mesmo
prefixo, apresentando, portanto, idêntico sentido.
2) (Fuvest, 2012)
“Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as
manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, e tragava dois dedos
de parati “pra cortar a friagem”.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a
dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num
trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente:
faziase contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil
patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam;
esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades
novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais
amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e
volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor,
muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio
entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus
hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. (…)
E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e
costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em
detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a
música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à
viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança
de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos
largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz,
selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos
despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a
espaço, surge um monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias
refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo
oriental de arábicos príncipes voluptuosos” (Aluísio Azevedo, O cortiço.)
No trecho “dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e das
cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante”, o
narrador tem como referência
a) a Chapada dos Guimarães, anteriormente coberta por
vegetação de cerrado.
b) os desfiladeiros de Itaimbezinho, outrora revestidos por
exuberante floresta tropical.|
c) a Chapada Diamantina, então coberta por florestas de
araucárias.
d) a Serra do Mar, que abrigava originalmente a densa Mata
Atlântica.
e) a Serra da Borborema, caracterizada, no passado, pela
vegetação da caatinga.
3) (CEFET-PR) Sobre os contos de Sagarana é INCORRETO
afirmar:
a) A volta do marido pródigo demonstra, no comportamento do
protagonista, o poder criador da palavra, dimensão da linguagem tão apreciada
por Guimarães Rosa.
b) Tanto em Corpo fechado quanto em Minha gente o espaço é
variado, deslocando-se a ação de um lugar para outro.
c) Em Duelo e Sarapalha figuram personagens femininas cujos
traços não aparecem nas mulheres de outros contos.
d) O burrinho pedrês, Conversa de bois e São Marcos
trabalham com a mudança de narradores.
e) A hora e a vez de Augusto Matraga não apresenta a
inserção de casos ou narrativas secundárias.
4) (UPF) Nos contos de Sagarana, Guimarães Rosa resgata,
principalmente, o imaginário e a cultura:
a) da elite nacional
b) dos proletários urbanos
c) dos povos indígenas
d) dos malandros de subúrbio
e) da gente rústica do interior
5) (CEFET-PR) Sobre os contos de Sagarana é INCORRETO
afirmar:
A) A volta do marido pródigo demonstra, no comportamento do
protagonista, o poder criador da palavra, dimensão da linguagem tão apreciada
por Guimarães Rosa.
B) Tanto em Corpo fechado quanto em Minha gente o espaço é
variado, deslocando-se a ação de um lugar para outro.
C) Em Duelo e Sarapalha figuram personagens femininas cujos
traços não aparecem nas mulheres de outros contos.
D) O burrinho pedrês, Conversa de bois e São Marcos
trabalham com a mudança de narradores.
E) A hora e a vez de Augusto Matraga não apresenta a
inserção de casos ou narrativas secundárias.
6) (FUVEST) Ele se aproximou e com voz cantante de
nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:
— E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?
— Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele
mudasse de idéia.
— E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
— Macabéa.
— Maca — o quê?
— Bea, foi ela obrigada a completar.
— Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por
promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu
não era chamada porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser
chamada em vez de ter um nome ue nin uém tem mas arece ue deu certo — arou um
instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor — pois
como o senhor vê eu vinguei... pois é...
— Também no sertão da Paraíba promessa é questão de grande
divida de honra.
Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa
e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás
do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o
silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado:
— Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
Da segunda vez em que se encontraram caia uma chuva fininha
que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva
que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo. (Clarice Lispector, A hora
da estrela)
Ao dizer: "(..) promessa é questão de grande dívida de
honra", Olímpico junta, em urna só afirmação, a obrigação religiosa e o
dever de honra. A personagem de Sagarana que, em suas ações finais, opera uma
junção semelhante é:
A) Major Saulo, de O burrinho pedrês.
B) Lalino, de Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A
volta do marido pródigo.
C) Primo Ribeiro, de Sarapalha.
D) João Mangolô, de São Marcos.
E) Augusto Matraga, de A hora e vez de Augusto Matraga.
7) (UEL) O trabalho com a linguagem por meio da recriação de
palavras e a descrição minuciosa da natureza, em especial da fauna e da flora,
são uma constante na obra de João Guimarães Rosa. Esses elementos são recursos
estéticos importantes que contribuem para integrar as personagens aos ambientes
onde vivem, estabelecendo relações entre natureza e cultura. Em Sarapalha,
conto inserido no livro Sagarana, de 1946, referências do mundo natural são
usadas para representar o estado febril de Primo Argemiro.
Com base nessa afirmação, assinale a alternativa em que a
descrição da natureza mostra o efeito da maleita sobre a personagem Argemiro:
A) “É aqui, perto do vau da Sarapalha: tem uma fazenda, denegrida
e desmantelada; uma cerca de pedra seca, do tempo de escravos; um rego murcho,
um moinho parado; um cedro alto, na frente da casa; e, lá dentro uma negra, já
velha, que capina e cozinha o feijão.”
B) “Olha o rio, vendo a cerração se desmanchar. Do colmado
dos juncos, se estira o vôo de uma garça, em direção à mata. Também, não pode
olhar muito: ficam-lhe muitas garças pulando, diante dos olhos, que doem e
choram, por si sós, longo tempo.”
C) “É de-tardinha, quando as mutucas convidam as muriçocas
de volta para casa, e quando o carapana mais o mossorongo cinzento se recolhem,
que ele aparece, o pernilongo pampa, de pés de prata e asas de xadrez.”
D) “Estava olhando assim esquecido, para os olhos... olhos
grandes escuros e meio de-quina, como os de uma suaçuapara... para a boquinha
vermelha, como flor de suinã....”
E) “O cachorro está desatinado. Pára. Vai, volta, olha,
desolha... Não entende. Mas sabe que está acontecendo alguma coisa. Latindo,
choramingando, chorando, quase uivando.”
8) (PUC-SP) O conto Conversa de bois integra a obra
Sagarana, de João Guimarães Rosa. De seu enredo como um todo, pode afirmar-se
que:
A) os animais justiceiros, puxando um carro, fazem uma
viagem que começa com o transporte de uma carga de rapadura e um defunto e
termina com dois.
B) a viagem é tranqüila e nenhum incidente ocorre ao longo
da jornada, nem com os bois nem com os carreiros.
C) os bois conversam entre si e são compreendidos apenas por
Tiãozinho, guia mirim dos animais e que se torna cúmplice do episódio final da
narrativa.
D) a presença do mítico-lendário se dá na figura da irara,
“tão séria e moça e graciosa, que se fosse mulher só se chamaria Risoleta” e
que acompanha a viagem, escondida, até à cidade.
E) a linguagem narrativa é objetiva e direta e, no limite,
desprovida de poesia e de sensações sonoras e coloridas.
9) (Enem - 2011)
“Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos
gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor
meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por que é que você
não cria galinhas-d‘angola, como todo o mundo faz? — Quero criar nada não... —
me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora.
Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. [...] Essa não
faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra.
[...] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes;
quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em
território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São
Francisco, o senhor sabe.” (ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro:
José Olympio (fragmento).)
Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente
de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela
concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e
fazendeiros. No texto, destaca-se essa relação porque o personagem-narrador
a) relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim,
demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou
essa condição graças à sua força de trabalho.
b) descreve o processo de transformação de um meeiro —
espécie de agregado — em proprietário de terra.
c) denuncia a falta de compromisso e a desocupação dos
moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra.
d) mostra como a condição material da vida do sertanejo é
dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo,
dependente.
e) mantém o distanciamento narrativo condizente com sua
posição social, de proprietário de terras.
10) — Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de
homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do
córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha
mocidade.
*Nonada: pode-se traduzir o significado de “nonada” como se
o signo fosse um nome: “o nada”, “coisa alguma”; como um pronome substantivo:
“nada”; como um advérbio: “em lugar algum”, “em parte alguma”, “no nada”; como
uma predicação: “algo não é coisa alguma”, “isso é nada”, “algo é no nada”,
“algo é nada”.
Acompanhado dos chefes-de-turma ― que ele dava patente de
serem seus sotenentes e oficiais de seu terço ― Zé Bebelo, montado num formudo
ruço-pombo e com um chapéu distintíssimo na cabeça, repassava daqui p’r’ali,
eguando bem, vistoriava.
*Formudo: formudo = formoso + sufixo de grau 3 aumentativo
de adjetivo –udo.
Os fragmentos que você leu acima fazem parte do romance
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. A partir da leitura dos trechos, é
possível observar uma grande característica da linguagem desse escritor:
a) uso constante de figuras de sintaxe.
b) emprego de empréstimos linguísticos.
c) uso constante de figuras de linguagem.
d) gosto pelos neologismos semânticos e sintáticos.
11) (PUCCAMP) Leia o
seguinte trecho de Guimarães Rosa:
"E desse modo ele se doeu no enxergão, muitos meses,
porque os ossos tomavam tempo para se ajuntar, e a fratura exposta criara
bicheira. Mas os pretos cuidavam muito dele, não arrefecendo na dedicação.
– Se eu pudesse ao menos ter absolvição dos meus pecados!...
Então eles trouxeram, uma noite, muito à escondida, o padre
que o confessou e conversou com ele, muito tempo, dando-lhe conselhos que o
faziam chorar.
– Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade
que fiz, e tendo nas costas tanto pecado mortal?
– Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira
o estribo do pé de arrependimento nenhum...
E por aí a fora foi, com um sermão comprido, que acabou
depondo o doente num desvencido torpor."
O trecho acima
representa a seguinte possibilidade entre os caminhos da literatura
contemporânea.
a) ficção regionalista, em que se reelabora o gênero e se
revaloriza um universo cultural localizado.
b) narrativa de cunho jornalístico, em que a linguagem
comunicativa retoma e reinterpreta fatos da história recente.
c) ficção de natureza politizante, em que se dramatizam as
condições de classes entre os protagonistas.
d) prosa intimista, psicologizante, em que o narrador expõe
e analisa os movimentos da consciência reflexiva.
e) prosa de experimentação formal, em que a pesquisa
linguística torna secundária a trama narrativa.
12)Sobre as características da prosa de Guimarães Rosa, é
correto afirmar:
I. Observa-se o tratamento estético dado à matéria-prima da
literatura: a palavra. Para Guimarães Rosa, a forma, o metro e o ritmo são
elementos indispensáveis às suas narrativas.
II. A linguagem de Guimarães Rosa é permeada por
neologismos, arcaísmos e pela exploração sonora, sintática e semântica do
português.
III. Uma das principais características da obra de Guimarães
Rosa é a reflexão sobre a criação artística. Para o escritor, a poesia é fruto
de um trabalho árduo, racional, que implica fazer e desfazer o texto até que
ele alcance a sua forma mais adequada.
IV. O escritor apresenta momentos de intenso intimismo,
apresentados por meio de uma linguagem elevada e abstrata e com imagens
recorrentes, retomando assim os ideais dos escritores simbolistas.
a) Todas estão corretas. b)
Apenas II está correta. c) I,
III e IV estão corretas. d) I e
II estão corretas.
14)Tudo o que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na
penumbra. Vejo pouco, ouço quase nada. Mergulho enfim em mim até o nascedouro
do espírito que me habita. Minha nascente é obscura. Estou escrevendo porque
não sei o que fazer de mim. Quer dizer: não sei o que fazer com meu espírito. O
corpo informa muito. Mas eu desconheço as leis do espírito: ele vagueia. Meu
pensamento, com a enunciação das palavras mentalmente brotando, sem depois eu
falar ou escrever – esse meu pensamento de palavras é precedido por uma
instantânea visão sem palavras, do pensamento – palavra que se seguirá, quase
imediatamente – diferença espacial de menos de um milímetro. Antes de pensar,
pois, eu já pensei.(Clarice Lispector. Um sopro de vida.)
Assinale a opção que corresponde, no trecho, ao pensamento
de Clarice Lispector sobre a criação literária.
a) A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor,
pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus.
b) Não colhas no chão o poema que se perdeu.
c) Vozes da infância, contai a história da vida boa que
nunca veio.
d) Pensar é a concretização, materialização do que se
pré-pensou.
e) O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega
a fingir que é dor a dor que deveras sente.
15)O modo de Clarice Lispector ver a criação literária
guarda relação com o momento histórico em que ela escreve. Em outros momentos
históricos, outras relações ocorreram.
Assinale a opção
correta.
a) O Modernismo relaciona-se com um modo de escrever que
pretende discutir a criação literária e produzir a simplicidade e a métrica do
pastoralismo.
b) O Neoclassicismo relaciona-se com um modo de escrever que
reproduz a arte barroca tal como ela era.
c) O Realismo relaciona-se com um modo de escrever que se
caracteriza pela musicalidade, pela sinestesia e pelas aliterações.
d) O Simbolismo relaciona-se com um modo de escrever que
apresenta a realidade tal como ela é.
e) O Romantismo relaciona-se com um modo de escrever que
adota a estética da expressão do eu autoral.
16)Assinale a alternativa incorreta sobre Clarice Lispector.
a) Clarice Lispector pertence à terceira fase do Modernismo
e trabalha com a prosa psicológica.
b) Nos contos da autora, os personagens têm poucas ações.
c) No nível da linguagem, percebe-se certa preocupação com a
revalorização das palavras, dando-lhes uma roupagem nova.
d) A autora desenvolve um enredo rico em episódios de ação
externa.
e) Sua obra apresenta como principal sustentáculo o
questionamento do ser, o “estar-no-mundo”, o intimismo e a pesquisa do ser
humano.
17) “Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre
sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita
da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons dias e as boas tardes soavam
a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que
na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra
exemplar e o marido se tornara o bom genro. ‘Perdoe alguma palavra mal dita’,
dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber
o que fazer das malas nas mãos, gaguejar — perturbado em ser o bom genro. ‘Se
eu rio, eles pensam que estou louca’, pensara Catarina franzindo as
sobrancelhas. ‘Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha
mais um’, acrescentara a mãe […].” (LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. 12.
ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 109-111.)
Com base no texto, é correto afirmar que Catarina:
a) Sente um certo tédio por ser obrigada a participar do
episódio de despedida de sua mãe.
b) Diverte-se observando o constrangimento do marido e da
mãe no episódio da despedida.
c) Embora ansiasse pela partida da visitante, sente muita
tristeza ao final da visita da mãe.
d) Certifica-se de que a mãe e o marido, para sua tristeza,
jamais poderiam manter um bom relacionamento.
e) Compartilha do sofrimento vivenciado pela mãe e pelo
marido na hora em que se despedem.
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