quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O Cortiço, Aluízio Azevedo - Questões com gabarito 2

TEXTO PARA AS QUESTÕES DE 1 A 4
E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
Aluísio Azevedo, O cortiço
1. (FUVEST, 2015) Em que pese a oposição programática do Naturalismo ao Romantismo, verifica-se no excerto – e na obra a que pertence – a presença de uma linha de continuidade entre o movimento romântico e a corrente naturalista brasileira, a saber, a
a) exaltação patriótica da mistura de raças.
b) necessidade de autodefinição nacional.
c) aversão ao cientificismo.
d) recusa dos modelos literários estrangeiros.
e) idealização das relações amorosas.

2. (FUVEST, 2015) Entre as características atribuídas, no texto, à natureza brasileira, sintetizada em Rita Baiana, aquela que corresponde, de modo mais completo, ao teor das transformações que o contato com essa mesma natureza provocará em Jerônimo é a que se expressa em:
a) “era o calor vermelho das sestas da fazenda”.
b) “era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta”.
c) “era o veneno e era o açúcar gostoso”.
d) “era a cobra verde e traiçoeira”.
e) “[era] a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele”.

3. (FUVEST, 2015) O efeito expressivo do texto – bem como seu pertencimento ao Naturalismo em literatura – baseiam-se amplamente no procedimento de explorar de modo intensivo aspectos biológicos da natureza. Entre esses procedimentos empregados no texto, só NÃO se encontra a
a) representação do homem como ser vivo em interação constante com o ambiente.
b) exploração exaustiva dos receptores sensoriais humanos (audição, visão, olfação, gustação), bem como dos receptores mecânicos.
c) figuração variada tanto de plantas quanto de animais, inclusive observados em sua interação.
d) ênfase em processos naturais ligados à reprodução humana e à metamorfose em animais.
e) focalização dos processos de seleção natural como principal força direcionadora do processo evolutivo.

4. (FUVEST, 2015) Para entender as impressões de Jerônimo diante da natureza brasileira, é preciso ter como pressuposto que há
a) um contraste entre a experiência prévia da personagem e sua vivência da diversidade biológica do país em que agora se encontra.
b) uma continuidade na experiência de vida da personagem, posto que a diversidade biológica aqui e em seu local de origem são muito semelhantes.
c) uma ampliação no universo de conhecimento da personagem, que já tinha vivência de diversidade biológica semelhante, mas a expande aqui.
d) um equívoco na forma como a personagem percebe e vivencia a diversidade biológica local, que não comporta os organismos que ele julga ver.
e) um estreitamento na experiência de vida do personagem, que vem de um local com maior diversidade de ambientes e de organismos.

5. (FUVEST, 2013) Leia o seguinte texto. O autor pensava estar romanceando o processo brasileiro de guerra e acomodação entre as raças, em conformidade com as teorias racistas da época, mas, na verdade, conduzido pela lógica da ficção, mostrava um processo primitivo de exploração econômica e formação de classes, que se encaminhava de um modo passavelmente bárbaro e desmentia as ilusões do romancista.
Roberto Schwarz. Adaptado.
Esse texto crítico refere-se ao livro
a) Memórias de um sargento de milícias.
b) Til.
c) O cortiço.
d) Vidas secas.
e) Capitães da areia.

6. (FUVEST, 2011)
— Não entra a polícia! Não deixa entrar! Aguenta! Aguenta!
— Não entra! Não entra! repercutiu a multidão em coro. E todo o cortiço ferveu que nem uma panela ao fogo.
— Aguenta! Aguenta!
Aluísio Azevedo, O cortiço, 1890, parte X.
O fragmento acima mostra a resistência dos moradores de um cortiço à entrada de policiais no local. O romance de Aluísio Azevedo
a) representa as transformações urbanas do Rio de Janeiro no período posterior à abolição da escravidão e o difícil convívio entre ex-escravos, imigrantes e poder público.
b) defende a monarquia recém-derrubada e demonstra a dificuldade da República brasileira de manter a tranquilidade e a harmonia social após as lutas pela consolidação do novo regime.
c) denuncia a falta de policiamento na então capital brasileira e atribui os problemas sociais existentes ao desprezo da elite paulista cafeicultora em relação ao Rio de Janeiro.
d) valoriza as lutas sociais que se travavam nos morros e na periferia da então capital federal e as considera um exemplo para os demais setores explorados da população brasileira.
e) apresenta a imigração como a principal origem dos males sociais por que o país passava, pois os novos empregados assalariados tiraram o trabalho dos escravos e os marginalizaram.

7. (FUVEST, 2011) Considere o seguinte excerto de O cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda ao que se pede.
(...) desde que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a sua tranquila seriedade de animal bom e forte, o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça superior. O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua congênere, e queria a mulata, porque a mulata era o prazer, a volúpia, era o fruto dourado e acre destes sertões americanos, onde a alma de Jerônimo aprendeu lascívias de macaco e onde seu corpo porejou o cheiro sensual dos bodes.
Tendo em vista as orientações doutrinárias que predominam na composição de O cortiço, identifique e explique aquela que se manifesta no trecho a e a que se manifesta no trecho b, a seguir:
a) “o sangue da mestiça reclamou os seus direitos de apuração”.
b) “cedendo às imposições mesológicas”.

8. (FUVEST, 2015) Responda ao que se pede.
a) Qual é a relação entre o “sistema de filosofia” do “Humanitismo”, tal como figurado nas Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e as correntes de pensamento filosófico e científico presentes no contexto histórico-cultural em que essa obra foi escrita? Explique resumidamente.
b) De que maneira, em O cortiço, de Aluísio Azevedo, são encaradas as correntes de pensamento filosófico e científico de grande prestígio na época em que o romance foi escrito? Explique sucintamente.

9. (UNICAMP, 2014) Quase sempre levava-lhe presentes (...) e perguntava-lhe se precisava de roupa ou de calçado. Mas um belo dia, apresentou-se tão ébrio, que a diretora lhe negou a entrada. (...) Tempos depois, Senhorinha entregou à mãe uma conta de seis meses de pensão do colégio, com uma carta em que a diretora negava-se a conservar a menina (...). Foi à procura do marido; (...) Jerônimo apareceu afinal, com uma ar triste de vicioso envergonhado que não tem ânimo de deixar o vício (...).
- Eu não vim cá por passeio! Prosseguiu Piedade entre lágrimas! Vim cá para saber da conta do colégio!...
- Pague-a você! Que tem lá o dinheiro que lhe deixei! Eu é que não tenho nenhum! (...)
E as duas, mãe e filha, desapareceram, enquanto Jerônimo (...) monologava, furioso (...). A mulata então aproximou-se dele, por detrás; segurou-lhe a cabeça entre as mãos e beijou-o na boca... Jerônimo voltou-se para a amante... E abraçaram-se com ímpeto, como se o breve tempo roubado pelas visitas fosse uma interrupção nos seus amores.
Aluísio de Azevedo. O cortiço. São Paulo: Ática, 1983. P. 137 e 139.
O cortiço não dava ideia do seu antigo caráter (...) e, com imenso pasmo, viram que a venda, a sebosa bodega, onde João Romão se fez gente, ia também entrar em obras (...) levantaria um sobrado, mais algo que o do Miranda (...). E a crioula? Como havia de ser? (...) Como poderia agora manda-la passear assim, de um momento para o outro, se o demônio da crioula o acompanhava já havia tanto tempo e toda a gente na estalagem sabia disso? (...) Mas, só com lembrar-se da sua união com aquela brasileirinha fina e aristocrática, um largo quadro de vitórias rasgava-se defronte da desensofrida avidez de sua vaidade (...) caber-lhe-ia mais tarde tudo o que o Miranda possuía...
Idem, p. 133 e 145.
a) Considerando-se a pirâmide social representada na obra, em que medida as personagens Rita Baiana e Bertoleza, referidas nos excertos, poderiam ser aproximadas?
b) Levando em conta a relação das personagens com o meio, compare o final das trajetórias do português Jerônimo e do português João Romão.

10. (UNICAMP, 2011) Pensando nos pares amorosos, já se afirmou que “há n’O cortiço um pouco de Iracema coada pelo Naturalismo.” (Antonio Candido, “De cortiço em cortiço”, em O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993, p.142.)
Partindo desse comentário, leia o trecho abaixo e responda às questões.
O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. (...) Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras;
era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. Isto era o que Jerônimo sentia, mas o que o tonto não podia conceber. De todas as impressões daquele resto de domingo só lhe ficou no espírito o entorpecimento de uma desconhecida embriaguez, não de vinho, mas de mel chuchurreado no cálice de flores americanas, dessas muito alvas, cheirosas e úmidas, que ele na fazenda via debruçadas confidencialmente sobre os limosos pântanos sombrios, onde as oiticicas trescalam um aroma que entristece de saudade. (...) E ela só foi ter com ele, levando-lhe a chávena fumegante da perfumosa bebida que tinha sido a mensageira dos seus amores; assentouse ao rebordo da cama e, segurando com uma das mãos o pires, e com a outra a xícara, ajudava-o a beber, gole por gole, enquanto seus olhos o acarinhavam, cintilantes de impaciência no antegozo daquele primeiro enlace. Depois, atirou fora a saia e, só de camisa, lançou-se contra o seu amado, num frenesi de desejo doido. (Aluísio Azevedo, O Cortiço. Ficção Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 498 e 581.)
a) Na descrição acima, identifique dois aspectos que permitem aproximar Rita Baiana de Iracema, mostrando os limites dessa semelhança.
b) Identifique uma semelhança e uma diferença entre Jerônimo e Martim.

11. (UNICAMP, 2012) Leia os seguintes trechos de O cortiço e Vidas secas:
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. (...). Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra. (Aluísio Azevedo, O cortiço. Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 2005, p. 462.)
Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. (...) - Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: - Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo, fumando seu cigarro de palha. - Um bicho, Fabiano. (...) Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado. (Graciliano Ramos, Vidas secas. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007, p.18-19.)
a) Ambos os trechos são narrados em terceira pessoa. Apesar disso, há uma diferença de pontos de vista na aproximação das personagens com o mundo animal e vegetal. Que diferença é essa?
b) Explique como essa diferença se associa à visão de mundo expressa em cada romance.

GABARITO
1. Alternativa B
2. Alternativa C
3. Alternativa E
4. Alternativa A
5. Alternativa C
6. Alternativa A
7. A) O trecho destaca o determinismo, segundo o quão o homem é fruto do meio, da raça e do momento histórico. Isso leva a uma concepção racista e, no trecho, pressupõe uma incorporação, pela mestiça (Rita Baiana), dessa forma de ideologia.
B) “Cedendo às imposições mesológicas” revela outro aspecto da estética naturalista, pela qual o homem cede às imposições do meio. Jerônimo abrasileira-se, isto é, deixa-se levar pelo ambiente em que vive.
8. A) O Humanitismo, sintetizado pela expressão “ao vencedor as batatas”, pode ser entendido como uma espécie de darwinismo social, isto é, uma sociedade competitiva, em que só tem lugar os vencedores. Assim, estamos diante de uma leitura da sociedade de acordo com parâmetros ideológico-filosóficos do final do século XIX, na qual são expressivos o racionalismo, o organicismo e o mecanicismo. O final do século XIX, do ponto de vista filosófico e científico (darwinismo, positivismo, socialismo) notadamente racionalistas, ou seja, que privilegiavam a razão como meio de conhecimento e explicação da realidade. Por sua vez, Machado de Assis incorpora e ao mesmo tempo critica alguns valores de seu tempo. O Humanitismo, postulado por Quincas Borba, ao mesmo tempo encontra um meio de explicar a sociedade e critica esta forma mecanicista e reducionista de se ver as relações sociais.
B) O cortiço é um romance de tese experimental em que se procura provar que as doutrinas filosóficas do século XIX são verdadeiras em relação à sociedade em que se vive: o homem é produto da raça (genética), do momento (circunstância histórica) e do meio (ambienta) em que vive.
9. A) Espera-se que o candidato perceba que, além de as duas personagens serem marcadas pelas relações que estabelecem com figuras masculinas, Jerônimo e João Romão, respectivamente, ambas mestiças, pobres, objetos sexuais e estão na base da pirâmide social, constituída no romance pela grande massa de brasileiros (mestiços, negros alforriados, brancos pobres) explorados por portugueses como João Romão e Miranda, que vieram “fazer dinheiro” no Brasil.
B) Espera-se que o candidato perceba que o romance, em linhas gerais, apresenta duas categorias de portugueses: os que sucumbem ao meio e, desse modo, fracassam, e os que vencem o meio e prosperam. Segundo tal perspectiva, o primeiro excerto narra o infortúnio/fracasso do português Jerônimo, honesto e pai zeloso, mas que se deixara levar pelas pressões/tentações do meio, sucumbindo aos apelos sensuais da mulata Rita Baiana; e o segundo excerto narra o “sucesso” do ambicioso vendeiro João Romão, que, vencendo o meio, enriquece e ascende socialmente através do oportunismo e da exploração, sobretudo da crioula Bertoleza. Trata-se assim de duas trajetórias opostas do ponto de vida da ascensão social. Se para Jerônimo o meio atua como influência desagregadora de sua antiga identidade, para João Romão ele se mostra como intensificador da antiga identidade.
10. a) Iracema e Rita Baiana encarnam a beleza e a exuberância brasileiras intimamente associadas à natureza local, embora de modo diverso. Como heroína tipicamente romântica, Iracema é associada a elementos da fauna e da flora brasileiras que ajudam a criar uma imagem idealizada, enobrecedora da personagem. Já a imagem de Rita Baiana é associada a elementos naturais que sugerem tanto qualidades positivas (como “o aroma quente dos trevos e das baunilhas”, “a palmeira virginal e esquiva”) quanto negativas, que tendem a uma representação bestial da personagem (como a comparação com “cobra amaldiçoada”, “cobra verde e traiçoeira” e “muriçoca doida”). Outra diferença significativa no confronto de ambas diz respeito à origem racial representativa do Brasil: Iracema é índia e Rita é mulata. O trecho reproduzido na prova permite ainda aproximar as duas personagens na cena da sedução do português: o episódio da chávena de café oferecida por Rita a Jerônimo faz lembrar o famoso episódio em que Iracema oferece o licor da jurema a Martim, seguindo-se a consumação do ato amoroso. Ocorre que, no caso de Iracema, esse ato encerra uma contravenção com consequências desastrosas, pois, como sacerdotisa dos tabajaras, ela tinha de permanecer virgem e jamais revelar o segredo da jurema – interdições essas que não se colocam no caso de Rita Baiana. B) As personagens de Martim e Jerônimo representam o europeu ou o português nos trópicos, e sua interação com esse meio. Além disso, como portugueses típicos, mostram-se saudosos de sua terra natal; e ambos são homens já comprometidos, que se deixam seduzir pela beleza da mulher dos trópicos. A diferença é que Martim é caracterizado como herói colonizador, guerreiro branco que sai vitorioso de sua empreitada à custa
do sacrifício da amada indígena, ao passo que Jerônimo é apresentado de maneira nada elevada, um fraco, que nada tem de heroico e chega a ser chamado de “tonto”, e que sucumbe a essa sedução e à força do meio.
11. a) Em O cortiço a narração em terceira pessoa se mantém objetiva e a aproximação das personagens com o mundo animal e vegetal expressa apenas a visão do narrador, marcadamente negativa (“gula viçosa de plantas rasteiras”; “prazer animal de existir”). Em Vidas secas, o uso do discurso indireto livre nos coloca diante dos pensamentos de Fabiano. Diferentemente do que ocorre em O cortiço, a visão não é necessária ou exclusivamente a do narrador, e sim a da personagem, e não tem o mesmo grau de objetividade e univocidade (há oscilação entre positivo e negativo: “Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim, senhor um bicho...”).
b) Em O cortiço, o ponto de vista objetivo está de acordo com a visão determinista do naturalismo, ao qual o romance se filia, que considera que as personagens são o que são em função do meio e dos fatores biológicos. Em Vidas secas, representante do romance social dos anos 30, a visão de mundo não se caracteriza por essa lógica determinista inexorável. A degradação da personagem equiparada a um animal é vista como resultante de condições sociais específicas, marcadas pela injustiça


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